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Google tenta ajudar a escrever. “Aquilo irrita para caraças”

Clippy

Ferramenta dá sugestões em diversas palavras. Até Jesus merece reparos. Mas há palavras e intenções que se devem manter.

Alguém se lembra daquele clip que aparecia no Microsoft Word? A deixar sugestões enquanto escrevíamos num documento?

O amigo Clippit, ou Clippy, que até chegou a falar, desapareceu há muito tempo das versões que entretanto foram lançadas. Mas agora surge outro tipo de assistência enquanto escrevemos.

O Google Docs tem uma novidade, lançada neste mês Abril. O assistente de escrita centra-se numa espécie de “avisos de inclusão”.

A ideia desta ferramenta de Inteligência Artificial é deixar sugestões no estilo de escrita, no tom das palavras, ou mesmo sugerir apagar a palavra que acabámos de escrever e escrever outra, mais “inclusiva”. Pretende-se espalhar uma linguagem mais inclusiva.

“E é irritante para caraças”, descreve Samantha Cole na revista Vice.

Exemplos

Tentando traduzir para português da melhor forma: se escreveremos “irritado”, o Google sugere apagar essa palavra e escrever “aborrecido” ou “chateado”. Tudo para a escrita fluir melhor.

Quando um editor do site Motherboard (que pertence à revista Vice), tentou escrever…Motherboard, surgiu novo aviso inclusivo do Google: “Esta palavra pode não ser inclusiva para todos os leitores. Considere utilizar outra”. Recordemos que mother significa “mãe”, feminino.

Landlord significa “proprietário”; mas em inglês tem a palavra “lord”, associada a outros contextos. Por isso, o Google sugere alterar a palavra.

Martin Luther King, no seu discurso mais famoso de sempre, não deveria ter dito “urgência feroz do momento”; poderia ter optado por “urgência intensa do momento”.

John F. Kennedy também tem direito a sugestão, no seu primeiro discurso enquanto presidente dos Estados Unidos da América: para falar sobre a humanidade, diria humankind em vez de mankind. Man = homem.

Até Jesus merece reparos. Não falaria sobre as obras “maravilhosas” de Deus, mas sim das obras “grandes” ou “adoráveis” de Deus.

Quem é a pessoa?

É bom, é de aplaudir, a ideia de melhorar a escrita de todos, neste contexto. Deixar para trás palavras ou frases que, por muito que sejam repetidas, não quer dizer que sejam as mais correctas.

Só que há um problema. Ou vários.

Estar “irritado” não é a mesma coisa do que estar “aborrecido”. Motherboard é o nome do site e da placa nos computadores…o que se há-de fazer? Landlord é a designação mais precisa, adequada, para certos contextos. Luther King, Kennedy e Jesus escolheram as palavras que queriam, os discursos eram seus.

E, mais do que isso, quem está a escrever é uma pessoa. Não é a Inteligência Artificial. Há palavras que, mais politicamente correctas ou menos politicamente correctas, são escolhidas pelo ser humano, propositadamente. Para exprimir alguma ideia ou descrever alguma situação ou pessoa.

“Tentar colocar auto-consciência, sensibilidade e edição cuidadosa na escrita das pessoas, utilizando algoritmos de uma máquina (que já falham frequentemente) é um erro”, lamenta Samantha.

É uma ferramenta em evolução, reagiu a Google – em declarações ao Motherboard.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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