A Deco recebeu, em pouco mais de quatro meses, 173 queixas de clientes do cartão Universo sobre pagamentos que dizem ser fraudulentos, um número semelhante ao total das situações reportadas durante todo o ano de 2022.
Estes números foram adiantados à Lusa por Margarida Zacarias, especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste, que sublinha a frequência com que estão a avolumar-se as situações envolvendo este cartão ligado ao grupo Sonae.
“Este ano recebemos 173 queixas. O valor é muito semelhante ao recebido durante todo o ano anterior: em 2022 recebemos 176 e, em 2023, em pouco mais de quatro meses, já vamos com 173. Portanto, é uma situação que tem acontecido com frequência”, precisou Margarida Zacarias.
As queixas dos clientes do cartão Universo apresentam um padrão semelhante, afirma a mesma especialista da Deco Proteste.
Várias das situações reportadas envolvem “movimentos que foram feitos com um cartão virtual, que o consumidor terá criado na sua área de cliente da instituição, mas a maioria dos consumidores indica que não criou qualquer cartão virtual na aplicação da instituição nem o autorizou”, refere Margarida Zacarias.
Em várias dessas queixas, os clientes referem terem detetado que o seu cartão Universo foi usado para fazer pagamentos a um mesmo destinatário, sendo que num destes casos os movimentos têm data de 8 de março de 2023.
O cliente refere contudo que em ‘email’ enviado à instituição em 16 de novembro de 2022 informou que declinava “qualquer responsabilidade por compras que venham a ser feitas na conta desse mesmo Cartão de Crédito”.
No caso deste cliente, o conhecimento de que o seu cartão estava a ser alvo de fraude chegou no início de abril, através do seu banco, com um alerta “para o pagamento de um valor anormal que, por completo ignorava e ignoro”.
Na queixa dirigida à Deco, este cliente afirma ter contactado “o banco Universo” que “declinou qualquer responsabilidade sobre as operações realizadas”.
Situação semelhante à vivida por outra cliente do mesmo cartão que numa consulta ao extrato reparou que tinha 13 movimentos para um mesmo destinatário no dia 8 de março de 2023, sendo 12 no valor de 281,99 euros e um de 115,49 euros.
“Liguei para o apoio do cartão Universo, a dizer que tinha detetado aqueles movimentos, que não tinha efetuado, e a pedir que os mesmos não fossem descativados nem processados”, refere.
Os movimentos foram descativados no dia seguinte e que, apesar dos alertas que fez e da queixa na polícia, apenas no dia 20 desse mês recebeu um ‘email’ do cartão Universo a informar que tinha sido criado um cartão virtual “e que para tal ter acontecido teria usado um código que foi enviado para o telemóvel, o que não aconteceu”.
Tal como reportam outros queixosos, também esta cliente recebeu como resposta que “não iam proceder à análise de utilização fraudulenta” nem assumir responsabilidade por entenderem que foi o cliente que ativou os códigos recebidos.
No caso desta cliente, o cartão virtual foi gerado com um ‘plafond’ que é quase o dobro do que lhe foi autorizado quando aderiu ao cartão. “Não faz sentido, mesmo que tivesse sido eu a ativá-lo, e não fui, como é que a entidade deixaria que o ‘plafond’ excedesse o que me tinha sido autorizado?”, questiona.
Reembolso só com provas
À Lusa, fonte oficial do Universo refere que desde o início da Guerra na Ucrânia “a indústria tem efetivamente detetado o crescimento exponencial de ‘sites’ e práticas fraudulentos” e que, por esse motivo, intensificaram “as comunicações e alertas de boas práticas relativas a segurança e combate à fraude”.
A fonte alerta os clientes para não fornecerem os dados do seu cartão Universo a ninguém, confirmarem se a página a que acedem é o ‘site’ oficial e para confirmarem sempre a identidade de quem os contactou, chamando a atenção para os três endereços de ‘email’ oficiais do Universo e para os oito números de telefone que a entidade usa para contactar os clientes.
Na mesma resposta, refere que “o Universo procede ao reembolso dos Clientes que foram alvo de fraude sempre que se comprove que a referida transação não é reconhecida nem tiver sido autorizada pelo Cliente (através da introdução de PIN ou de código de SMS de autorização recebido no seu telemóvel)”.
Margarida Zacarias precisa, por seu lado, que, perante uma situação irregular envolvendo pagamentos com cartão, o primeiro passo é solicitar o seu cancelamento e listar os movimentos que não reconhece, lembrando que existe um limite máximo pelo qual pode ser responsabilizado — 50 euros.
“O consumidor só pode ser responsabilizado por um valor superior a 50 euros se a instituição conseguir provar, e tem de documentar essa prova, de que foi o consumidor que fez essa transação ou que atuou de forma fraudulenta ou negligente ou com dolo”, refere a especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste.
Margarida Zacarias aconselha os lesados a fazerem queixa junto das autoridades e do Banco de Portugal e em caso de ausência de resposta avançar para uma resolução alternativa de litígios.
”Phishing” é a fraude mais comum em Portugal
O “phishing” é a fraude com cartões mais comum em Portugal, segundo o Banco de Portugal, cujo último Relatório dos Sistemas de Pagamento indica que as fraudes nos pagamentos eletrónicos em Portugal se mantiveram em níveis “muito reduzidos” em 2022.
O “phishing” é o nome dado ao esquema fraudulento em que o infrator se faz passar por uma instituição legítima para levar as pessoas a partilharem dados sensíveis (palavras-passe, números de cartões de crédito ou outros dados) para se apropriar de dinheiro.
No último Relatório dos Sistemas de Pagamento, divulgado em abril, o Banco de Portugal refere que a maior parte das fraudes nos instrumentos de pagamento são com cartões.
Nesse caso, a fraude mais comum acontece quando o infrator faz uma ordem de pagamento após ter obtidos as credenciais de segurança do utilizador, o que é normal acontecer por mecanismos de engenharia social, como é o caso do ‘phishing’.
“Este tipo de fraude aumentou em 2022, tendo sido responsável pela quase totalidade das operações fraudulentas”, refere o regulador e supervisor bancário.
Também o Gabinete Cibercrime da Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgou, em fevereiro, que em 2022 “o ‘phishing’ foi o tipo de criminalidade mais denunciado”. No ano passado, segundo esta mesma fonte, as denúncias de cibercrime aumentaram 83%, de 1.160 em 2021 para 2.124 em 2022.
Apesar de serem habituais os casos de fraudes que os cidadãos conhecem (com infratores a fazerem-se passar por entidades do Estado, bancos, empresas de telecomunicações, energia, entre outras instituições), se comparadas as fraudes com o volume das operações com instrumentos de pagamento, estas são reduzidas em Portugal.
“Em Portugal, os níveis de fraude na utilização dos diferentes instrumentos de pagamento eletrónicos permaneceram muito reduzidos” em 2022, lê-se no relatório.
ZAP // Lusa