Festival de Veneza começou com polémica sobre Polanski (e cinema português em competição)

casamerica / Flickr

A realizadora argentina Lucrecia Martel

O festival de Veneza arrancou, esta quarta-feira, em Itália, e terá dois filmes portugueses em competição: “A Herdade”, de Tiago Guedes, e “Cães que ladram aos pássaros”, de Leonor Teles. 

A realizadora argentina Lucrecia Martel admitiu que teve dúvidas em aceitar ser presidente do júri do festival de cinema de Veneza, que começou esta quarta-feira, por causa do realizador Roman Polanski, que tem um filme em competição.

Na habitual conferência de imprensa no arranque do festival, ainda antes da abertura oficial, a realizadora revelou que não estará presente no jantar de gala, na sexta-feira, dedicado a Roman Polanski, no dia em que apresenta “J’Accuse”.

“Não vou à gala dedicada a Polanski, porque represento as mulheres que estão a lutar na Argentina por questões como esta. Não quero pôr-me de pé e aplaudi-lo”, disse, referindo-se aos casos de violação e agressões sexuais envolvendo aquele cineasta polaco.

Martel não se opõe à presença do filme de Polanski no festival, por considerar que é um pretexto para o diálogo e a discussão, mas é da opinião que se não se separa a obra artística do seu autor. “Creio que há aspetos importantes do trabalho que revelam o seu autor”, disse.

Numa declaração enviada pelo festival horas depois, a realizadora disse que alguns relatos das suas palavras mostravam que havia sido “profundamente incompreendidas”.

“Já que não separo a obra do autor e reconheci muita humanidade nos filmes anteriores de Polanski, não me oponho à presença do filme na competição. Não tenho qualquer preconceito contra o filme e claro que o verei como qualquer outro trabalho em competição”, afirmou no comunicado.

“É difícil definir qual a melhor abordagem perante pessoas que cometeram certos atos e foram julgadas por eles. Creio que estas questões são parte dos debates da atualidade”, afirmou a realizadora, citada pela publicação Deadline.

Em causa estão as acusações de abuso sexual e violação ao realizador franco polaco desde a década de 70. Em 1977, o cineasta reconheceu ter tido relações sexuais com Samantha Geimer, então com 13 anos.

Em 2010, a atriz britânica Charlotte Lewis declarou que o realizador a tinha forçado a ter uma relação sexual quando ela tinha 16 anos. Em 2017, o realizador foi acusado por duas outras mulheres: uma identificada como ‘Robin’ alega ter sido vítima de agressão sexual aos 16 anos, em 1973; Renate Langer assegura ter sido violada quando tinha 15 anos.

Outro dos pontos de discórdia entre ambos foi a escassa presença de realizadoras na seleção oficial desta 76.ª edição, com a cineasta argentina a defender a existência de quotas.

A competição oficial conta com 21 filmes, dos quais apenas dois são realizados por mulheres, com a saudita Haifaa al Mansour e a australiana Shannon Murphy. “Não me deixa feliz o recurso a quotas, mas não sei que outra forma podemos ter de forçar a indústria a pensar de maneira diferente. Isto não quer dizer que qualquer filme dirigido por uma mulher faz uma grande leitura sobre a Humanidade, mas é inquestionável que o cinema não representa a complexidade da sociedade”, disse.

Dois filmes portugueses em competição

A abertura do festival, o mais antigo da Europa, aconteceu com a estreia de “La vérité”, do realizador japonês Hirokazu Kore-eda, protagonizado por Catherine Deneuve, Juliette Binoche e Ethan Hawke.

O filme integra a competição oficial do festival, numa secção em que está também a longa-metragem portuguesa “A Herdade”, de Tiago Guedes e protagonizada por Albano Jerónimo.

Candidato ao Leão de Ouro, o filme conta a história de uma família dona de uma propriedade latifundiária e, ao mesmo tempo, traça “o retrato da vida histórica, política, social e financeira de Portugal, dos anos 40, atravessando a revolução do 25 de abril e até aos dias de hoje”, lê-se na sinopse.

“A Herdade”, já confirmado também no festival de Toronto, chegará aos cinemas portugueses a 19 de setembro.

Na competição oficial estarão ainda filmes como “The perfect candidate”, de Haifaa Al-Mansour, “Wasp Network”, de Olivier Assayas, “The Laundromat”, de Steven Soderbergh, “J’accuse”, de Roman Polanski, “Ad Astra”, de James Gray, “Waiting For The Barbarians”, de Ciro Guerra, “Ema”, de Pablo Larrain, e “Joker”, de Todd Phillips.

Em competição em Veneza, na secção “Orizzonti”, está a nova curta-metragem de Leonor Teles, intitulada “Cães que ladram aos pássaros”.

O filme “acompanha os dias de verão de Vicente e da sua família, obrigados a sair da sua casa no centro do Porto, por força da especulação imobiliária”, refere a produtora.

Em Veneza, numa secção dedicada a clássicos do cinema, será ainda exibida uma versão restaurada de “Francisca” (1981), de Manoel de Oliveira. As obras exibidas na secção “Venice Classics” competem pelos prémios de Melhor Filme Restaurado e Melhor Documentário sobre Cinema.

O festival termina a 7 de setembro com “The Burnt Orange Heresy”, do realizador italiano Giuseppe Capotondi, e no qual entra o músico Mick Jagger.

O cineasta espanhol Pedro Almodóvar e a atriz britânica Julie Andrews vão receber o Leão de Ouro pela carreira e o realizador franco-grego Costa-Gavras receberá o Prémio Jaeger-LeCoultre 2019.

ZAP // Lusa

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