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“Caçar” nevoeiro para ter água. Onde a chuva é escassa, cada gota é preciosa

“A necessidade é a mãe da invenção”. Confrontados pela “seca severa” e clima árido, cabo-verde quer aprender a tirar proveito máximo do nevoeiro, “roubando-lhe a água. Conheça a técnica de “caçar” o nevoeiro.

Três membros de uma associação cabo-verdiana viajam no sábado para as ilhas Canárias para aperfeiçoar a técnica de “caçar” o nevoeiro para captar água, uma forma de tentar contrariar o clima árido do arquipélago.

“Os membros da associação Biflores e de comunidades da ilha Brava já sonham com a captura de água do nevoeiro. Como se diz, a necessidade é a mãe da invenção”, disse à Lusa o diretor da associação, Dheeraj Jayant.

Numa ilha onde a chuva é muito escassa, cada gota é preciosa e há uma tradição de estender plásticos e malhas nas encostas e no trajeto do nevoeiro. À medida que o nevoeiro passa pela malha, gotas de água são capturadas e acumulam-se na superfície da rede.

Em contacto com as gotículas suspensas no ar formam-se outras maiores, depois escorridas para baldes ou outros reservatórios, de onde a água pode ser armazenada e utilizada. A malha é tipicamente feita de um material hidrófilo para maximizar a captação de água.

 

A tecnologia é relativamente simples, rentável e eficiente em termos energéticos, exigindo apenas a configuração inicial e manutenção mínima.Se as condições forem as ideais, num dia chega a ser possível captar até 400 litros a partir da atmosfera, explicou Jayant.

Tem sido implementada com sucesso em várias partes do mundo, como no Chile, Nepal e Marrocos, muitas vezes como projetos comunitários.

A água recolhida é geralmente limpa e pode ser usada tanto para consumo humano como agrícola, embora possa por vezes necessitar de tratamento adicional.

“Seca severa” motiva aprendizagem nas Canárias

A viagem às Canárias, no âmbito do projeto ibérico Life Nieblas (que também abrange Portugal), vai servir para os caçadores de nevoeiro aperfeiçoarem os métodos e conhecerem novas técnicas, tais como redes de condensação montadas em estruturas verticais. O relevo acidentado favorece a formação de nevoeiro na ilha Brava.

O projeto de captação de águas que será implementado na ilha deve-se “à seca severa sofrida” pelos cabo-verdianos e que tem afetado sobretudo os agricultores e a conservação das espécies endémicas da ilha.

Este ano está a ser uma exceção, com a época das chuvas (entre julho e outubro) a trazer precipitação, mas o clima árido é uma característica do arquipélago sempre presente, sublinhou Dheeraj Jayant.

“A escassez de água levou muitos agricultores e criadores de gado a abandonar as suas atividades. No entanto, as áreas de alta altitude da Brava possuem as duas condições necessárias para a captação de água de nevoeiro: nuvens e vento”, apontou.

A associação Biflores pretende “prestar homenagem às inovações” da população local, fazendo evoluir as práticas já existentes.

“O nosso objetivo é usar essa água para irrigação gota-a-gota, visando a restauração de ecossistemas e garantir segurança nutricional na nossa ilha, por meio de agroecologia”, salientou o diretor.

Jayant está otimista: espera ultrapassar os 400 litros de água nos dias de nevoeiro e armazená-los em reservatórios, alguns dos quais construídos pela delegação do Ministério da Agricultura e Ambiente de Cabo Verde.

Projeto enfrenta desafios

Embora confiante na implementação do projeto, o dirigente da Biflores referiu que a falta de dados históricos “é um desafio”: faltam “informações fiáveis” de longo prazo para conhecer as condições climáticas da ilha da Brava.

Além disso, há incerteza “sobre os impactos das mudanças climáticas nas condições necessárias para a captação de água de nevoeiro”.

“Também há desafios logísticos, incluindo a disponibilidade de materiais e equipamento no mercado cabo-verdiano, o transporte a partir da capital [Praia, ilha de Santiago] para a ilha Brava e a dificuldade de acesso a zonas onde as estruturas serão instaladas”, referiu.

Apesar disso, a associação e as comunidades da ilha estão determinadas a formar os seus caçadores de nevoeiro e superar os obstáculos, respeitando os ecossistemas.

O projeto pode ajudar “na conservação da flora endémica da ilha Brava”, outro dos trabalhos da associação, que gere um projeto de pastoreio sustentável.

O programa de atividades nas ilhas Canárias, até 10 de novembro, inclui ainda práticas de reflorestamento com espécies endémicas, práticas agroecológicas e produção de plantas.

A colheita de nevoeiro não só oferece uma fonte alternativa de água, como também ajuda a reduzir a pressão sobre os recursos hídricos existentes. No entanto, a eficácia do método é dependente das condições climáticas locais e a quantidade de água recolhida pode variar.

ZAP // Lusa

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