Aulas na rua: a nova arma de protesto em Paris

Carina Branco / RFI

Université Sorbonne-Nouvelle. Paris, 3 de Abril de 2023

Alguns alunos e professores da Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris, têm-se juntado em frente aos portões da instituição, na rua, para assistir ou dar aulas. A universidade está fechada há uma semana na sequência de manifestações estudantis e protestos contra a reforma das pensões em França.

Uma universidade de portões fechados, estudantes sentados no chão, do lado de fora do edifício, e professores a improvisarem aulas ao ar livre.

Entre o ruído das obras de um prédio em construção e dos carros que passam na rua, os docentes aproveitam o microfone e a coluna usada minutos antes por uma assembleia geral de alunos, em frente ao novo campus da Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris.

Raquel Schefer, professora de estudos cinematográficos, decidiu investir a rua para dar aulas ali mesmo depois do fecho administrativo da universidade, há quase uma semana, face a bloqueios feitos por estudantes em protesto.

A universidade foi fechada administrativamente pelo presidente, na semana passada, durante uma semana. O presidente temia que houvesse uma ocupação porque, por diversas vezes, os estudantes bloquearam os acessos à universidade”, começa por explicar a professora.

A ameaça de ocupação da universidade pelos estudantes “tem a ver com a reforma do sistema de pensões, porque os estudantes opõem-se, mas também tem a ver com a degradação da universidade pública em França”, continua Raquel Schefer.

“Os estudantes posicionam-se contra a política de encerramento sistemático da universidade e de passagem dos cursos para o sistema à distância”, sublinha.

Para esta aula de início de tarde, Raquel Schefer convidou Augusta Conchiglia, “autora da primeira fotoreportagem da guerra de libertação em Angola, em 1968,” e co-realizadora de um filme sobre essa luta.

Sem hesitar, a fotojornalista italiana aceitou o convite e foi falar desses tempos históricos aos alunos, numa conferência literalmente fora de portas.

“Fomos convidados para falar com os estudantes fora da universidade, que está actualmente fechada por razões de autodefesa contra as manifestações”, conta Augusta Conchiglia, que recorda que “os franceses inovaram, não só agora, mas na história do movimento social”.

Também junto dos alunos, está Teresa Castro, professora de estudos cinematográficos na Sorbonne Nouvelle, para quem a universidade deveria ser “um espaço de debate político”.

A docente mostra-se “totalmente solidária tanto com a contestação da reforma das pensões”, com “a mobilização da população estudantil contra a repressão policial” e com os pedidos de “mais apoio” dos estudantes face a “uma série de propostas de novas leis relativas às bolsas”.

“Estou aqui hoje porque a faculdade está fechada administrativamente devido à situação social, uma vez que os alunos tinham votado uma ocupação e, para impedir a lógica de ocupação, a faculdade foi fechada administrativamente”, explica.

“Isto causa aos professores, alunos e funcionários uma série de problemas, nomeadamente a impossibilidade de dar aulas nas salas de aulas. Há um programa que tem sido proposto, por alguns colegas, de aulas e encontros e debates em frente à faculdade para que continue viva, apesar de estar fechada”, acrescenta.

Num comunicado de 29 de Março, enviado à comunidade académica, o presidente da universidade, Jamil Jean-Marc Dakhlia, explica que o fecho, a partir desse dia, acontece devido “ao bloqueio da entrada da universidade por cerca de 40 alunos”, descrito como “o terceiro em duas semanas”.

O presidente acrescenta que “não se pode aceitar bloqueios repetidos, nem ameaças de ocupações” da universidade, considerando que isso “impede o exercício das actividades pedagógicas, científicas e culturais”.

O responsável pede aos professores que assegurem aulas pela internet e considera que, “se o objectivo é mostrar a legitimidade do combate contra a reforma das pensões”, essas acções são “contraprodutivas” e injustas para com os estudantes que querem terminar o semestre e aceder à biblioteca, cantina e outros serviços dentro do campus.

Contactada pela RFI, a presidência da Sorbonne Nouvelle sublinhou que “é legítimo que os estudantes se mobilizem num contexto nacional”, mas que foi necessário “um fecho de curta duração” depois de “cerca de 60 alunos em 15.000 estudantes terem bloqueado três vezes o acesso à universidade”.

Por outro lado, o objectivo foi também evitar ocupações como chegou a acontecer na Universidade Panthéon-Sorbonne, em Paris: “É um contexto nacional. Desde o início do movimento, há estudantes que se mobilizam em toda a França contra a reforma das pensões e a Sorbonne Nouvelle não escapa a este movimento”.

Cada vez que tentámos abrir, a universidade foi bloqueada por cerca de 60 estudantes daqui, o que perturbava as aulas e os exames. Tentámos dialogar e o objectivo era abrir para que não houvesse aulas à distância. Cada vez que abríamos, havia instabilidade e estávamos num pára, arranca”, justificou fonte da presidência universitária à RFI, assegurando que a reabertura está prevista para 7 de Abril.

“Tentámos dialogar para facilitar esta mobilização, que é legítima, e estamos abertos ao diálogo. Ao terceiro bloqueio, e tendo em conta que também havia questões de segurança e que o campus de Tolbiac foi vandalizado, quisemos proteger as pessoas, os bens e a continuidade pedagógica”, acrescenta a mesma fonte.

Justificações insuficientes para Emma Pauchet, estudante de cinema no terceiro ano, que participa nas aulas de rua e nas assembleias gerais dos alunos, para quem o rastilho da contestação estudantil foi a reforma do sistema de pensões, mas tratou-se apenas da ponta do iceberg porque o braço-de-ferro social e a mobilização da juventude vieram para ficar “longas semanas ou longos meses”.

“No início, a contestação era em relação à reforma das pensões, mas, entretanto, alargámos o protesto porque não militamos apenas por uma causa. Defendemos várias”, afirma.

Lutamos contra o controlo da sociedade, contra o Estado-polícia, a repressão policial, a repressão do governo, a repressão administrativa que enfrentamos e que tenta penalizar-nos e reduzir ao máximo o nosso compromisso, para que nos mobilizemos o menos possível e para que haja o mínimo de repercussão possível, porque têm medo da força da juventude”, diz Pauchet.

A jovem acrescenta que “há uma verdadeira mobilização dos jovens” e que a luta está longe do fim. “Temos longas semanas, ou até longos meses pela frente, portanto, é importante consolidar o movimento”, sublinha.

Na terça-feira, numa das últimas jornadas de greve e protestos, várias universidades parisienses foram alvo de tentativas de bloqueio ou de ocupação por parte dos estudantes.

Algumas optaram simplesmente por não abrir portas.

// RFI

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