As células ouvem — e são seduzidas pelo som

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O som audível pode afetar a atividade genética em células de rato, aumentando a ligação de precursores musculares ao tecido circundante e diminuindo a acumulação de gordura.

As células nos seus ouvidos não são as únicas a “escutar”: um estudo recente sugere que células cruciais por todo o corpo podem reagir a som audível.

O estudo, que foi apresentado num artigo publicado na Communications Biology, revelara mais de 100 genes cuja atividade mudou em resposta a estas ondas acústicas, apontando para possíveis aplicações médicas.

Estudos anteriores mostraram que os ultrassons — som em frequências superiores às que os humanos conseguem ouvir — podem afetar a biologia de várias formas; o novo estudo expande este conceito aos sons audíveis, que não requerem equipamento especial para serem produzidos.

Segundo a Scientific American, a equipa de Masahiro Kumeta, biólogo da Universidade de Quioto e autor principal do estudo, expôs células de mioblastos de rato cultivadas (precursores do tecido muscular) a diferentes sons.

As células foram diretamente expostas a sons de uma frequência baixa (440 hertz, o lá acima do dó central), uma frequência alta (14 quilohertz, aproximando-se do topo da gama percetível para humanos), ou ruído branco (que contém todas as frequências audíveis) às placas de cultura durante duas ou 24 horas.

A equipa analisou o efeito que estas ondas sonoras tiveram nas células de rato através de sequenciação de ARN, que mede a atividade genética, e descobriu que a atividade em 42 genes mudou após duas horas, e 145 responderam após 24 horas.

A maioria dos genes mostrou atividade aumentada, mas alguns foram suprimidos. “É um estudo muito extenso e minucioso”, explica à Scientific American a investigadora Lidan You, da Queen’s University, no Ontário, que estuda a forma como as células ósseas traduzem estímulos mecânicos em sinais biológicos.

Muitos dos genes afetados têm papéis em processos-chave como adesão e migração celular, que são conhecidos por responder a forças mecânicas.

Os investigadores descobriram que o som expandiu o tamanho dos locais onde as células se ligavam aos tecidos circundantes, muito provavelmente através da ativação de uma enzima chamada quinase de adesão focal (FAK), que deteta forças mecânicas e ajuda a orientar o desenvolvimento do tecido.

As ondas sonoras parecem deformar moléculas de forma a proporcionar acesso mais fácil para um interruptor químico que ativa a FAK, que por sua vez influencia uma cadeia de atividade de outros genes.

A equipa também encontrou uma reação forte em precursores de células adiposas chamados pré-adipócitos: o som suprimiu a sua diferenciação em células adiposas maduras, reduzindo assim a acumulação de gordura em 13 a 15 %.

O som audível é não invasivo e provavelmente mais seguro que medicamentos”, diz Masahiro Kumeta. Embora não possa ser focado de forma tão precisa como o ultrassom, é fácil de produzir e poderia ser útil para banhar grandes regiões do corpo em ondas sónicas.

Kumeta e os seus colegas já começaram a estudar tais intervenções para suprimir o desenvolvimento de tecido adiposo em ratos vivos—e os humanos poderiam ser os próximos. “Se funcionar bem em ratos, penso que isto poderia ser alcançado em cinco ou 10 anos”, diz o investigador.

Outras aplicações potenciais incluem melhorar a medicina regenerativa e combater o crescimento do cancro. “O próximo passo poderia ser usar não apenas células humanas mas organoides humanos que modelam doenças“, diz You.

ZAP //

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