A maior imagem de sempre do Universo começou hoje a ser fotografada

Seguindo o plano de observações liderado por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), o telescópio espacial Euclid, a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, começou hoje a montar um mosaico de 27 500 peças.

Esta quarta-feira, às 00h 00m 00s de Portugal Continental, num ponto quatro vezes mais longe do que a Lua, o telescópio espacial Euclid voltou-se para a constelação de Erídano, no hemisfério celeste austral, e durante 70 minutos recolheu a luz dessa região de céu escuro.

É a primeira de mais de 27 mil fotografias que irão constituir o mosaico do céu com a maior resolução alguma vez feito. Serão mais de 15 biliões de píxeis, e ao fim de seis anos espera-se ter capturado a luz de mais de mil milhões de galáxias.

A missão espacial Euclid, da Agência Espacial Europeia (ESA), irá permitir a construção do primeiro mapa a três dimensões do Universo, desde a nossa vizinhança cósmica até galáxias distantes, cuja luz nos revela o Universo quando este tinha 25 por cento da idade atual.

As regiões do céu que serão observadas daqui até 2030 constituem praticamente um terço de todo o céu, o chamado céu extragaláctico – as regiões escuras, quase sem estrelas da Via Láctea nem poeiras do plano do Sistema Solar, e que são as janelas para o Universo profundo.

Para onde olhar, e por que ordem, em cada segundo durante os próximos seis anos? A resposta está no calendário de observações definido por uma equipa liderada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

O calendário teve em conta a otimização da posição do telescópio na sua órbita em volta do Sol, que acompanha a órbita da Terra (num dos pontos de Lagrange, L2, atrás da Terra em relação ao Sol), mas também as restrições técnicas do telescópio, os momentos de calibração dos instrumentos, e os vários objetivos científicos.

“O modo de observação do telescópio segue uma lógica de ‘avança e olha’. O momento em que olha dura 70 minutos”, explica João Dinis, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), membro da Equipa de Apoio às Operações do Rastreio Euclid (Survey Operations Support Team, SOST).

“Em cada posição, o telescópio adquire quatro imagens, com ligeiros deslocamentos. Esta estratégia pretende compensar os intervalos entre os sensores. Depois, o telescópio é orientado para outra posição, próxima, numa lenta rotação de cerca de quatro minutos”, acrescenta.

ESA/Euclid/Consórcio Euclid/NASA; processamento de imagem - J.-C. Cuillandre (CEA Paris-Saclay), G. Anselmi

Imagem da galáxia irregular NGC 6822 captada pelo Euclid da ESA.

João Dinis é o autor do software de implementação do planeamento da missão Euclid, e cujo trabalho foi reconhecido com o prémio STAR do Consórcio Euclid em 2023.

A equipa SOST, liderada pelo IA e Ciências ULisboa e financiada pela Agência Espacial Portuguesa, é a equipa do Consórcio Euclid que entregará regularmente à Agência Espacial Europeia (ESA) os planos de observação, que serão usados pelo centro de operações de voo para comandar o telescópio espacial.

O Euclid irá fotografar cerca de 49 mil vezes, e esta quarta-feira foi o primeiro dia, depois de meses de testes e calibrações dos instrumentos.

“A primeira porção de céu será observada durante duas semanas e terá uma extensão de 130 graus quadrados”, diz João Dinis. “Durante esta observação, o rastreio principal fará duas pausas, para uma calibração dos instrumentos e uma segunda vez para uma rotina de manutenção da órbita, tudo previsto no calendário.”

Este calendário não foi produzido sem surpresas, porém. Para além de ter sido atualizado devido aos reagendamentos do lançamento do telescópio, uma vez este já no espaço, os testes de engenharia verificaram que um excesso de luz do Sol contaminava as imagens, apesar do escudo de proteção.

Este facto levou a restringir a amplitude do ângulo que o telescópio Euclid poderá rodar.

“Antes do lançamento, o requisito era que o Euclid mantivesse o seu escudo perpendicular ao Sol com pequenos desvios até um máximo de cinco graus, para um e outro lado do seu eixo maior (-5° e +5°)”, diz Ismael Tereno, investigador do IA e Ciências ULisboa e líder do SOST.

“A nova restrição é que observe com uma rotação máxima entre -3° e -8,5°“, acrescenta o investigador.

“Verificámos que a aplicação da nossa estratégia inicial de observação às novas restrições do ângulo não iria produzir um rastreio funcional“, detalha Ismael Tereno. “Com esta restrição certas regiões do céu deixaram de poder ser observadas de qualquer ponto da órbita”.

Jean-Charles Cuillandre / Euclid Consortium

Projeção de todo o céu com a sinalização das regiões que serão observadas pelo telescópio espacial Euclid, durante seis anos, cada ano codificado por uma cor diferente.

“O problema foi resolvido com uma alteração profunda no desenho do rastreio, que recorreu a uma maior sobreposição das observações de modo a aliviar a rigidez imposta pela nova restrição”, explica João Dinis.

O novo plano de observação cobre um pouco menos de área, mas permite chegar a todo o céu e garante a operacionalidade da missão. Poderá vir a cobrir toda a área de céu originalmente prevista se a missão se prolongar um pouco além dos seis anos.

Durante o primeiro ano, até março de 2025, o Euclid terá coberto entre 15 a 18% da área de céu prevista. Um conjunto limitado de dados, referente aos rastreios profundos de algumas regiões particularmente escuras do céu, está previsto para a primavera de 2025.

Os primeiros dados com relevância para a ciência central da missão – o Universo escuro – estarão prontos no verão do próximo ano.

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