A endogamia salvou uma espécie da extinção

Um novo estudo desafia a suposição comum de que a endogamia reduz a biodiversidade e dificulta a recuperação de espécies ameaçadas de extinção.

Para muitas espécies ameaçadas, o declínio populacional até ao limiar da extinção conduz ao cruzamento entre indivíduos aparentados, expondo a espécie a mutações recessivas prejudiciais que limitam severamente o seu potencial de recuperação.

Mas o pombo-de-cabeça-vermelha (Columba janthina nitens), endémico das ilhas Ogasawara, no Japão, seguiu um percurso diferente.

Embora esta população de pombos tenha caído para menos de 80 indivíduos nos anos 2000, começou a aumentar de forma acentuada após a eliminação de um predador introduzido — o gato-bravo (Felis silvestris).

Uma recuperação tão notável levantou questões sobre a endogamia e sobre o motivo pelo qual mutações prejudiciais, que poderiam causar depressão endogâmica ou perda de diversidade genética, não travaram o renascimento da espécie.

Numa tentativa de desvendar este enigma biológico, uma equipa de investigadores da Universidade de Quioto procurou identificar os fatores que contribuíram para este improvável regresso.

Os resultados do estudo foram apresentados num artigo publicado recentemente na revista Nature.

“Muitas espécies ameaçadas têm dificuldade em recuperar, mesmo com medidas de conservação intensivas”, afirma o primeiro autor do estudo, Daichi Tsujimoto., num comunicado da Universidade de Quioto.

“O ressurgimento excecional deste pombo levou-nos a investigar as razões genéticas subjacentes à sua resiliência, na esperança de perceber o que torna algumas espécies ameaçadas mais capazes de recuperar do que outras”, acrescenta o investigador.

A equipa sequenciou e comparou os genomas completos de populações selvagens e em cativeiro do pombo-de-cabeça-vermelha, bem como de uma população selvagem do pombo-do-japão.

A análise permitiu avaliar o grau de endogamia e a carga genética da espécie ameaçada, além de compreender de que forma a dinâmica populacional histórica influenciou estes fatores.

Os resultados revelaram que a frequência de mutações altamente prejudiciais no pombo-da-cabeça-vermelha era mais baixa do que no mais disseminado pombo-do-japão, o que sugere que, em vez de ser um entrave, o sucesso da espécie terá estado enraizado na sua persistência a longo prazo em populações reduzidas, antes do impacto humano.

Séculos de endogamia gradual numa população historicamente pequena e isolada podem ter permitido à espécie eliminar mutações nocivas do seu genoma através de um processo designado por purga genética.

Esse processo parece tê-la dotado de uma base genética robusta, permitindo que a população sobrevivesse a um estrangulamento populacional e recuperasse de forma dramática apenas três anos após a remoção dos predadores.

“Esta história evolutiva única parece ter conferido a estes pombos uma resiliência que não se observa noutras populações ameaçadas”, sublinha o líder da equipa, Yuji Isagi.

O estudo desafia a suposição comum de que a endogamia dificulta a recuperação ao expressar mutações genéticas prejudiciais.

Ainda assim, a sobrevivência a longo prazo da população continua em risco. Uma perda tão acentuada de diversidade genética poderá ter reduzido a capacidade de adaptação da espécie a futuras alterações ambientais, e uma população abaixo dos níveis históricos mantém-se vulnerável a uma erosão adicional da diversidade genética e à acumulação de mutações nocivas.

Por isso, restaurar a população de pombos aos níveis históricos é fundamental.

Em última análise, esta nova perspetiva sugere que os esforços de conservação não devem apenas procurar aumentar a diversidade genética, mas também ter em conta a história genética única de cada espécie, de forma a desenvolver estratégias mais informadas e eficazes para a sua sobrevivência a longo prazo.

ZAP //

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