Os ornitorrincos e equidnas, únicos mamíferos que põem ovos, têm uma outra característica distintiva, que intriga os cientistas há décadas: a determinação do género masculino destes monotremados não é induzida pelo gene SRY. O mistério foi agora desvendado.
Os cientistas sabiam há décadas que os ornitorrincos e equidnas não usam o mesmo conjunto de genes que os outros mamíferos usam para determinar o género dos seus embriões.
Num novo estudo, uma equipa de investigadores da Universidade de Adelaide, na Austrália, descobriu agora que estas espécies seguiram um caminho evolutivo independente.
O estudo, publicado no mês passado na revista Genome Biology, permitiu identificar o gene responsável pela determinação do sexo nestas espécies, resolvendo assim um mistério que remonta a mais de 100 milhões de anos.
Ao contrário do modelo clássico dos mamíferos, baseado na presença dos cromossomas X e Y e na ativação do gene SRY, principal responsável pela determinação do género masculino, os monotremados têm múltiplos cromossomas sexuais e não possuem o gene.
Há décadas que esta diferença intriga os investigadores — que apenas dispunham de sequências genómicas incompletas para trabalhar. Com a recente inclusão dos cromossomas Y nos novos mapas genéticos, houve um progresso significativo.
Num artigo recentemente publicado no The Conversation, os autores do estudo, Frank Grützner e Linda Shearwin, realçam que o principal resultado do seu trabalho é a descoberta do AMHY, uma variante do gene da hormona antimülleriana (AMH) presente num dos cromossomas Y dos monotremados.
Ao contrário do SRY, o AMHY não atua diretamente no ADN — antes funciona como um sinal hormonal que se liga às células para ativar o desenvolvimento testicular. A sua expressão no momento exato e no tecido certo foi determinante para confirmar o seu papel essencial na diferenciação sexual masculina.
Os ornitorrincos e as equidnas, os únicos mamíferos que põem ovos, têm sido objeto de estudo científico há anos devido ao seu sistema reprodutivo único.
Caminho evolutivo independente
O estudo confirmou que o AMHY é responsável pelo início do desenvolvimento masculino nestas espécies, fenómeno nunca antes documentado em mamíferos.
Esta característica faz dele o primeiro caso conhecido neste grupo em que uma hormona, e não um fator genético clássico, desempenha o papel principal na determinação do género. Este é um exemplo evolutivo que rompe com as regras tradicionais da biologia dos vertebrados.
A origem do AMHY remonta à linhagem comum dos monotremados, há aproximadamente 100 milhões de anos. Nessa altura, o gene AMH original sofreu alterações que deram origem a esta variante, adaptada para direcionar o desenvolvimento sexual masculino.
Além de lançar luz sobre o funcionamento genético destas espécies, a descoberta dá-nos melhor compreensão da evolução dos sistemas reprodutivos, e reforça a hipótese de que os mecanismos biológicos podem divergir profundamente entre linhagens, oferecendo diferentes soluções para o mesmo desafio evolutivo.
A equipa de investigação afirma que vai continuar a explorar as diferenças entre o AMHY e a sua versão ancestral, o AMH, de forma a compreender como esta adaptação influenciou a evolução dos mecanismos sexuais.