Nova pandemia à vista? Um estudo publicado esta semana revela que a alteração num único ponto do vírus H5N1 pode permitir-lhe ligar-se aos recetores das células humanas, o que suscita preocupações de que possa transmitir-se mais facilmente a humanos.
Uma equipa de investigadores descobriu que o H5N1, a estirpe do vírus da gripe aviária altamente patogénica que se propaga atualmente nas vacas leiteiras dos EUA, necessita apenas de mais uma única mutação para se fixar facilmente nas células humanas que se encontram nas vias respiratórias superiores.
As conclusões do estudo, publicadas esta quinta-feira na revista Science, ilustram o potencial caminho, com apenas um passo, que o vírus tem que percorrer para se tornar eficaz na transmissão humana – e podem ter implicações importantes para uma nova pandemia, caso essa mutação se generalize na natureza.
Os vírus da gripe aviária são dotados de proteínas de superfície que lhes permitem ligar-se aos recetores das células das aves, o que permite a entrada do vírus nas células.
Os recetores celulares das aves são diferentes dos dos humanos, mas essa variação é “muito subtil”, afirma James Paulson, coautor do estudo e bioquímico da Scripps Research, citado pela Scientific American.
“Para um novo vírus pandémico H5N1, sabemos que tem de mudar a especificidade dos recetores de tipo aviário para tipo humano”, acrescenta.
“Então, o que é que é preciso?”, procuraram os autores do estudo determinar. E para surpresa do investigador e dos seus co-autores, essa mudança apenas necessitava de uma alteração genética.
O grupo específico, ou clado, de H5N1 responsável pelo atual surto foi detetado pela primeira vez na América do Norte em 2021 e afetou uma vasta gama de populações animais, incluindo aves selvagens, ursos, raposas, uma variedade de mamíferos marinhos e, mais recentemente, vacas leiteiras.
Desde o início dos surtos de H5N1 nos rebanhos leiteiros dos EUA, na primavera deste ano, os casos humanos têm estado sobretudo ligados a aves ou vacas doentes, e a maioria das infeções humanas têm sido ligeiras — entre trabalhadores agrícolas com elevado risco de exposição.
Não há até agora sinais de transmissão entre pessoas — e a preferência de ligação ao recetor do vírus é uma barreira fundamental para isso.
“É obviamente especulativo, mas se o vírus se ligar melhor aos recetores humanos, isso não é bom, porque provavelmente levará à transmissão entre humanos”, diz Jenna Guthmiller, imunologista da Universidade do Colorado Anschutz Medical Campus, que não esteve envolvida na nova investigação.
Os autores do estudo centraram-se na alteração de uma das proteínas de superfície do H5N1, a hemaglutinina, que contém o local de ligação que permite ao vírus fixar-se nos receptores das células hospedeiras e dar início à infeção.
Os investigadores geraram proteínas virais a partir de sequências genéticas do vírus isolado do primeiro caso humano no Texas, que ocorreu numa pessoa que desenvolveu gripe das aves após exposição a uma vaca infetada. Não foi utilizado nenhum vírus vivo na experiência.
Depois, os cientistas criaram uma série de mutações diferentes na cadeia de aminoácidos da hemaglutinina, ou blocos de construção das proteínas.
Uma única mutação que trocou o 226º aminoácido da sequência por outro permitiu ao H5N1 mudar a sua afinidade de ligação dos receptores das células das aves para os receptores das células humanas do trato respiratório superior.
Um estudo anterior, publicado em 2000 no Journal of Virology, mostrou que várias mutações da gripe, incluindo as testadas no novo artigo, são importantes na ligação aos recetores humanos, diz Guthmiller.
Estas alterações genéticas foram detetadas em subtipos anteriores do vírus da gripe que causaram pandemias humanas, como as de 1918 e 2009.
Mas os vírus anteriores necessitavam de pelo menos duas mutações para conseguir alterar a sua preferência pelos receptores humanos, explica o coautor Ian Wilson, biólogo estrutural e computacional da Scripps.
“Isto foi surpreendente. Foi apenas esta única mutação que foi suficiente para mudar a especificidade do recetor”, diz Wilson.
Paulson acrescenta que a mutação específica que os cientistas testaram no novo estudo já tinha sido investigada durante surtos de H5N1 em aves de capoeira e em alguns seres humanos em 2010, mas não afetou a ligação do vírus ao recetor humano.
“Mas o vírus mudou subtilmente“, diz Paulson. “Agora essa mutação causa a mudança”.
Wilson e Paulson observam que a proteína H5N1 mutada no seu estudo se liga fracamente aos recetores humanos, mas mais fortemente do que o vírus H1N1 de 2009, que causou a pandemia humana da “gripe suína”.
“A infeção inicial é o que nos preocupa para iniciar uma pandemia, e acreditamos que a fraca ligação que vemos com esta única mutação é pelo menos equivalente a um vírus pandémico humano conhecido“, diz Paulson.
Guthmiller não está surpreendido com as descobertas, dada a importância conhecida da mutação 226 na preferência do recetor da gripe, mas conclui que “nunca é bom quando se vê que só é preciso uma mutação“.