Os humanos não conseguiam ver a cor azul. Alguns povos ainda não conseguem

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Desde a sua ausência em textos antigos à dominância na colorimetria moderna: a cor do mar que não o é fez uma longa viagem. Conheça-a.

A cor azul e a humanidade têm uma relação, no mínimo, evasivamente enigmática.

Hoje totalmente enraizada no tecido da linguagem e cultura modernas, a famosa cor do mar — como lhe chamou Tim Maia, apesar de os sete mares que descobriu não serem realmente azuis — é uma adição recente ao nosso catálogo de cores.

Onde estás, azul?

Esta noção vem desde logo pela ausência do azul em registos históricos das várias civilizações antigas. A cor raramente aparece em descrições do mundo natural e, em épicos gregos antigos ou escrituras hebraicas, entre várias referências e palavras para descrever as demais cores, o azul estava ausente.

Até mesmo no clássico grego Odisseia de Homero, onde o céu e o oceano são descritos ao pormenor, não há referência à sua cor como a conhecemos: Homero apenas os descreve como “semelhantes a vinho” e a metais como o cobre e ferro.

E o que está ausente, não existe. Será assim? Terá havido uma era sem azul? Foi o que muitos estudiosos começaram a questionar.

Não há palavras para te descrever…

Um dos primeiros a pôr a existência do azul no passado em causa foi, lembra a revista Discover, o académico e ex-primeiro-ministro britânico do século XIX, William Gladstone, personalidade que encorajou estudiosos de todo o mundo a procurar referências à cor das jeans que dá nome ao maior animal do mundo.

Desde as histórias da literatura chinesa antiga às sagas islandesas, confirmava-se: tal como o oceano, era profunda a falta de azul em todos os relatos antigos. A cor também não era referida nas primeiras versões hebraicas da bíblia, nem nos hinos védicos hindu.

Mesmo atualmente, há grupos, como é o caso dos Himba, da Namíbia, que não têm sequer uma palavra para a cor azul. Não o distinguem do verde, cujos tons, surpreendentemente, conseguem distinguir com facilidade (distinguem até mais tons do verde do que os povos ocidentais, verificou um estudo de 2006 publicado na Progress in Colour Studies).

Foram até testados para tentarem distinguir as duas cores (azul e verde). Não se safaram muito bem. Disseram que o azul é apenas um dos vários tons de verde.

Já os antigos egípcios tinham uma relação única com o azul. Usavam frequentemente o mineral azul lápis-lazúli na arte e na decoração e eram das poucas culturas antigas que tinham um termo específico para a cor. Será o fator geográfico fundamental para perceber a presença do azul? Ou é tudo uma questão de perceção de quem vê?

Uma ilusão na natureza

A sequência em que as cores são reconhecidas e nomeadas nas línguas parece seguir um padrão identificado pelo filósofo alemão Lazarus Geiger.

Esta “hierarquia linguística das cores” propõe que o preto e o branco são normalmente as primeiras a serem nomeadas, devido ao seu claro contraste e prevalência na vida quotidiana. Segue-se o vermelho, instintivamente ligado ao sangue e à sobrevivência.

O azul, que raramente aparece na natureza e, consequentemente, na vida humana, é um dos últimos a ser definido, seguindo a regra desta hierarquia. Isto talvez porque, ao contrário de outras cores, quase nunca aparece diretamente no mundo natural. Aparece, sim, como uma ilusão, através da dispersão da luz.

Sabemos que a água do mar não é azul e que o céu só aparenta ser dessa cor; também os gaios azuis ou as borboletas morpho azuis não têm quaisquer pigmentos azuis: apenas criam a a perceção do azul através da dispersão da luz pelas suas penas ou escamas.

E a Ciência continua a descobrir, todos os dias, que o azul não está onde — ou como — achávamos que está.

De acordo com um artigo publicado em fevereiro na Science Advances, até os mirtilos, que parecem azuis, atingem a sua cor não através de pigmentos, mas através dos efeitos de dispersão da luz da cera — um fenómeno conhecido como dispersão de Rayleigh que também é o responsável pela aparência azul do céu.

Tomás Guimarães, ZAP //

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