Descoberta há quase 100 anos, ninguém sabia da sapateadora. Agora, análise de ADN confirmou que a endémica lusitana ainda “dança” pela aldeia de Fagilde.
Uma aranha sapateadora, perdida pela Ciência desde que foi descrita em 1931, foi redescoberta numa pequena aldeia no norte-centro de Portugal, onde foi originalmente encontrada.
Descoberta e descrita pela entomologista pioneira Amélia Bacelar em 1931, a misteriosa espécie, sobre a qual pouco se sabe, parece ter andado a fugir estes anos todos.
No curto espaço de tempo em que foi reconhecida, só foram investigadas fêmeas que acabaram num museu em Portugal… que ardeu em 1978, juntamente com todos os testemunhos da existência da dançante Buraqueira-de-Fagilde (Nemesia berlandi), endémica de Portugal, recorda o Re:Wild, que se esforça para encontrar espécies perdidas como esta aranha-de-alçapão.
“Demora muito tempo para procurar sinais desta espécie. Algumas espécies perdidas que são maiores e não vivem debaixo do solo podem ser mais fáceis de encontrar, mas esta não é uma delas”, diz o apaixonado por aranhas Sérgio Henriques, co-presidente do Grupo Especialista em Aranhas e Escorpiões da IUCN SSC.
“É demasiado críptica; esconde-se demasiado bem. Tem que se procurar de forma muito intencional e especializada”, confessa.
Focados desde 2021 em encontrar — entre outras dezenas de espécies que se pensam extintas — a aranha-de-alçapão, análises de ADN acabam de provar que a aranha ainda existe na pequena aldeia de Fagilde, na Beira Alta.
Quem é a dançarina que se esconde tão bem?
Presentes na Europa, Estados Unidos, África do Sul e Austrália, as aranhas-de-alçapão destacam-se pelas suas técnicas de caça e especialmente de defesa.
Constroem com precisão quase artesanal tocas cilíndricas no solo, com cerca de 10 cm de profundidade e 2,5 cm de diâmetro, com uma entrada camuflada com uma porta de folhas mortas e solo, equipada com um mecanismo de bloqueio.
O surpreendente sistema permite que o aracnídeo beneficie das vibrações para distinguir presas de predadores; vibrações leves indicam presas, como besouros, e vibrações mais intensas, como arranhões, sinalizam perigos, como vespas,que levam a aranha a selar a entrada.
Geralmente residentes de longa duração nas tocas, as fêmeas criam os seus jovens nestes abrigos, formando por vezes aglomerados semelhantes a pequenas “cidades” de aranhas. Acredita-se que os machos, em contraste, partem em busca de acasalamento, realizando uma espécie de serenata ao tamborilar nas portas das tocas femininas — um ritual que varia entre espécies.
Curiosamente, enquanto a maioria das espécies da família Nemesia constrói tocas verticais, a Buraqueira-de-Fagilde distingue-se por criar túneis horizontais.
Uma porta fechada revelou presença
A equipa usou dados de satélite para procurar fragmentos de floresta perto do local onde a aranha foi originalmente registada nos anos 30.
Após validar esses dados, instalou abrigos artificiais na esperança de que machos usassem os abrigos para se esconderem durante uma pausa na sua busca por um encontro amoroso — e a busca arrancou.
A equipa virou todas as pedras, troncos e habitats artificiais no local à procura de uma armadilha que contasse com a presença da misteriosa espécie lusitana — um grande desafio para Henriques.
“É impossível de explicar, mas mesmo quando se remove o musgo e as folhas mortas de cima de uma armadilha, não se vê nada”, disse.
“Não há nada para ver. A tampa é exatamente do mesmo material e da mesma cor que o chão. Sou apenas eu no chão de joelhos, olhando para o chão com toda a paciência do mundo, a tentar ver algo a circular no chão. É tudo o que podemos fazer. Apenas olhar. Procuramos padrões. Para cada armadilha que encontro, encontro mil falsas armadilhas”, afirmou. Mas quem espera… sempre alcança.
Mais recentemente, Luís Crespo, membro da equipa de Henriques, encontrou uma armadilha promissora. De “porta trancada”, indicando que alguma entidade lá se fechou, continha uma aranha e cerca de 10 bebés.
Mas se tão pouco se sabe sobre a Buraqueira-de-Fagilde, perdida há quase um século, como poderia a equipa saber se esta “equipa de futebol” pertencia à espécie?
Para tirar as teimas, foi removida parte de uma das patas da aranha — que se regeneraria rapidamente. A equipa conseguiu preservar a perna em etanol, de modo a enviá-la para análise de ADN, mais tarde comparado ao ADN de outras aranhas-de-alçapão da área.
Agora, os resultados revelaram que a aranha encontrada na toca não corresponde geneticamente a nenhuma outra espécie de aranha conhecida na área, o que indica que o alçapão pertencia, de facto, à desaparecida de longa data aranha-de-alçapão de Fagilde.
Já vi muito recentemente este tipo de esconderijo de aranhas no Alentejo, aliás, desde criança que ocasionalmente me deparo com esta estrutura no campo, não sei se a aranha é da mesma espécie agora reencontrada, mas o abrigo é o mesmo.