Está vivo “o conflito mais antigo da Eurásia pós-soviética”: o que se passa em Nagorno-Karabakh?

NAREK ALEKSANYAN/Lusa

Ferido caído nos protestos desta terça-feira

Sete mil civis retirados, 27 mortos e mais de 200 feridos. Saldo da primeira guerra foi de mais de 30 mil mortos. Um lado fala numa “operações antiterroristas”, o outro em “limpeza étnica”.

Mais de sete mil civis de 16 localidades foram retirados esta terça-feira de Askeran, Martakert, Martouni e Shushi em Artsakh, após o lançamento de uma operação militar em grande escala por parte do Azerbaijão, anunciaram as autoridades separatistas arménias deste enclave.

Artsakh é o nome dado pelos arménios a Nagorno-Karabakh, onde o Azerbaijão anunciou as “operações antiterroristas” contra as forças arménias. A região proclamou independência no fim da União Soviética, mas nunca foi reconhecida e é hoje disputada por arménios e azeris.

O deputado arménio Tigran Abrahamian confirmou nas redes sociais que o Azerbaijão “abriu fogo contra várias posições militares” em Nagorno-Karabakh. Baku justificou a operação militar com a morte de quatro polícias e dois civis azeris na sequência da explosão de minas em Nagorno-Karabakh, durante a madrugada (hora local). O Exército do Azerbaijão afirmou ter tomado mais de 60 posições arménias na ofensiva.

Os separatistas de Nagorno-Karabakh declararam que os combates deixaram pelo menos 27 mortos, incluindo dois civis, e mais de 200 feridos nesta região. O Azerbaijão avançou, por sua vez, que dois civis morreram em áreas sob o seu controlo.

Três anos de tensões

Embora o acordo tripartido tenha posto fim às hostilidades, as tensões entre as partes permaneceram e as negociações para chegar a um acordo de paz continuaram sem sucesso.

Somaram-se a isso vários ataques fronteiriços dos quais ambos os lados se acusaram e que provocaram a morte de mais de 200 soldados.

Mas o maior fator de tensão foi o bloqueio imposto em dezembro de 2022 pelo Azerbaijão no corredor de Lachin, que liga o enclave de Nagorno-Karabakh à Arménia, alegando que Erevan o estava a utilizar para extrair ilegalmente recursos naturais do Azerbaijão e fornecer armas à autoproclamada república.

A Arménia acusou o Azerbaijão de genocídio, afirmando que o país estava a tentar matar de fome a população de Karabakh ou forçá-la a abandonar as suas casas.

“O conflito mais antigo da Eurásia pós-soviética”

O anúncio da operação azeri surge três anos após o início da anterior guerra de Nagorno-Karabakh, em setembro de 2020, que as forças do Azerbaijão venceram ao fim de seis semanas.

Mas nada disto é novo: o conflito “é o mais antigo da Eurásia pós-soviética”, descreve o Crisis Group, segundo o Observador.

A região montanhosa do Azerbaijão de maioria arménia, declarou a independência de Baku na sequência da desintegração da União Soviética, em 1991. Depois da Revolução Russa de 1917, que pôs fim ao império dos czares, Arménia e Azerbaijão já disputavam o enclave, onde os dois maiores grupos étnicos são os arménios e os azeris.

A declaração da independência desencadeou um conflito armado de que saíram vencedores os separatistas apoiados pela Arménia. Trinta anos mais tarde, no outono de 2020, as forças armadas do Azerbaijão reconquistaram dois terços do território, situado no sul do Cáucaso.

O saldo da primeira guerra foi de mais de 30 mil mortos, a que se somaram mais de um milhão de refugiados: os azeri fugiram da Arménia, os arménios deixaram o Azerbaijão.

Anti-terrorismo?

No início da noite desta terça-feira, a Presidência do Azerbaijão apelou às tropas deste território separatista do Azerbaijão, habitado maioritariamente por arménios, a deporem as armas, condição imposta para o início das negociações. As autoridades do Azerbaijão acusaram os separatistas arménios da região disputada da responsabilidade pelas mortes, que consideraram dever-se a atos de terrorismo.

“As forças armadas arménias ilegais devem hastear a bandeira branca, entregar todas as armas e o regime ilegal deve ser dissolvido. Caso contrário, as operações antiterroristas continuarão até ao fim”, referiu a Presidência azeri, replicando a diplomacia do Azerbaijão que exige uma rendição “total e incondicional”.

A Presidência azeri propôs, em caso de capitulação, conversações “com representantes da população arménia de Nagorno-Karabakh em Yevlakh”, uma cidade do Azerbaijão a 295 quilómetros a oeste de Baku.

Antes disso, as autoridades desta região disputada apelaram a um cessar-fogo imediato e a negociações.

“Limpeza étnica”?

Quanto à Arménia, que denunciou uma “agressão em grande escala” para fins de “limpeza étnica”, esta garantiu não ter tropas em Nagorno-Karabakh, sugerindo que os separatistas estavam sozinhos a combater os soldados azeris.

Os separatistas afirmam que várias cidades de Nagorno-Karabakh, incluindo a sua capital Stepanakert, são alvo de “tiroteios intensivos”, que também visam infraestruturas civis. Relatam cinco mortos e 80 feridos após a ofensiva quer ocorre “ao longo de toda a linha de contacto” neste território e os azeris utilizam “artilharia”, foguetes, ‘drones’ de ataque e aviões, afirmaram.

Os arménios consideram que cabe à Rússia, que garante o cessar-fogo que data de 2020 com forças de paz no terreno, agir para “travar a agressão do Azerbaijão”.

Arménios pedem demissão do primeiro-ministro

Centenas de manifestantes pediram esta terça-feira em Erevan a demissão do primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, num protesto marcado por confrontos com a polícia.

“Eles [os russos] não querem defender Artsakh”, disse um dos manifestantes à AFP, sem querer ser identificado.

O primeiro-ministro arménio, Nikol Pashinyan, tinha denunciado, antes, alegados apelos para “um golpe de Estado” no seu país, na sequência do lançamento de uma ofensiva azeri na região de Nagorno-Karabakh, disputada pelos dois países.

A oposição arménia fez várias tentativas nos últimos três anos para afastar Pashinyan do poder, acusando-o de ser responsável pela derrota militar da Arménia na guerra do outono de 2020 em Nagorno-Karabakh. O próprio primeiro-ministro chegou ao poder na sequência de um movimento de protesto em 2018.

Rússia foi informada; EUA, França e UE também já se pronunciaram

Multiplicam-se por esta altura os apelos internacionais ao fim dos confrontos armados.

As forças de manutenção da paz russas estão destacadas em Nagorno-Karabakh no âmbito de um cessar-fogo negociado por Moscovo, um aliado tradicional da Arménia, para pôr fim ao anterior conflito na região em 2020.

A Rússia apelou já à contenção e disse que foi informada do início da operação “alguns minutos” antes, depois de Baku ter anunciado que avisou as forças russas. A Rússia mantém uma força de manutenção da paz em Nagorno-Karabakh, no âmbito de um cessar-fogo negociado por Moscovo, um aliado tradicional da Arménia, para pôr fim ao anterior conflito na região em 2020.

“Estas ações estão a agravar uma situação humanitária já difícil em Nagorno-Karabakh e a minar as perspetivas de paz”, afirmou o secretário de Estado norte-americano numa declaração, sublinhando que o uso da força é “inaceitável”, pelo que apelou à “cessação das hostilidades”.

Entretanto, num comunicado do Palácio do Eliseu, o Presidente francês, Emmanuel Macron, condenou a operação militar azeri e apelou ao “fim imediato da ofensiva” e ao rápido reatamento das conversações para encontrar uma solução para a situação humanitária na zona e um acordo de paz.

Numa conversa com o primeiro-ministro arménio, lê-se no comunicado, Macron reiterou a Nikol Pachinian o apoio da França à integridade territorial da Arménia e referiu que Paris já solicitou uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU devido ao risco que o conflito do Nagorno-Karabakh representa para a estabilidade regional.

Apelamos à cessação imediata das hostilidades e ao Azerbaijão para que ponha termo às atuais atividades militares”, referiu, em comunicado, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell.

A UE condena ainda “a escalada militar ao longo da Linha de Contacto e noutros locais de Karabakh”, deplorando a perda de vidas e apelando ao regresso “urgente ao diálogo entre Baku e os arménio de Karabakh”.

Por seu lado, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, considerou, na sua conta na rede social X (ex-Twitter), que “as ações militares do Azerbaijão devem cessar imediatamente para permitir um diálogo comum” entre o Governo de Baku e os arménios do Karabakh.

“Gostaria de sublinhar que consideramos o Azerbaijão responsável pelo destino dos arménios do Nagorno-Karabakh”, disse aos jornalistas, acrescentando que a França estava em contacto com os seus parceiros europeus e com os Estados Unidos da América, bem como com as autoridades da Arménia e do Azerbaijão.

ZAP // Lusa

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