Os videojogos têm armadilhas que fazem as crianças gastar dinheiro sem parar

Para Nara Ward, monitorizar os gastos dos filhos enquanto eles se divertem com jogos no computador é um trabalho a tempo inteiro.

Ward mora em Barbados com o marido e os filhos — Finn, de 14 anos, e Leif, 12. Leif estava a pedir dinheiro à família para conseguir comprar moedas num jogo, com as quais poderia personalizar a personagem e comprar itens virtuais. Então, no Natal, os avós deram-lhe certa de 200 dólares em crédito numa loja de aplicações.

“Para minha surpresa, ele gastou tudo numa questão de dias“, recorda Nara Ward. “Depois disso, não lhe dei mais do que 10 dólares em moedas do jogo por mês. Ele rapidamente ficou frustrado e entediado com o jogo.”

Leif passou a usar outro jogo, que também exige que os jogadores atualizem o seu armamento usando créditos. “No entanto, este jogo tem a opção de assistir a anúncios para ganhar créditos”, explica a mãe. “Ele fazia isso por desespero quando esgotava a sua mesada mensal para jogos.”

Ward diz que seu filho mais novo ainda não dominou o autocontrolo nem o uso de dinheiro. “É algo que tenho que policiar constantemente.”

Em vez de apenas lucrar com a compra de um videojogo, como antigamente, hoje muitas empresas do segmento dependem da receita gerada por compras efetuadas durante o jogo e das chamadas microtransações. Esse conteúdo adquirido pode ser puramente estético, como passos de dança e novas roupas para uma personagem.

Mas as compras podem trazer também uma vantagem tática, como vidas extra, melhorias na personagem e novas armas — ganhos em relação aos jogadores que não compram estes recursos adicionais.

É previsto que o mercado global de microtransações online cresça de 67,94 mil milhões de dólares em 2022 para 76,66 mil milhões em 2023.

No entanto, alguns especialistas e consumidores estão a reagir a esta tendência. Algumas empresas também estão a prometer novos lançamentos que não trazem compras durante o jogo.

As empresas de jogos, diz a professora Sarah Mills, usam a psicologia comportamental para levar os utilizadores a gastar. A fronteira entre jogos e apostas está a tornar-se “cada vez mais confusa”.

Mills é professora de geografia humana na Universidade de Loughborough (Reino Unido). A sua pesquisa indica que técnicas de jogos de azar estão a ser incorporadas nos videojogos, fazendo os utilizadores jogar durante mais tempo e gastar mais dinheiro, além de fazerem pequenas compras em sequência.

Vicki Shotbolt, diretora-executiva da Parent Zone, uma organização que ajuda os pais a lidar com a vida digital dos filhos, detalha algumas formas que os jogos usam para estimular as compras.

Primeiro, ao gastar, os jogadores podem “evitar a rotina”: fazer uma compra no jogo evita ter que passar horas num jogo monótono para que se possa passar de nível.

A estratégia por trás disso tem sido chamada de fun pain, algo como “diversão dolorosa”: pode perder algo importante ou mais divertido se não fizer uma compra.

Enquanto isso, “técnicas de ofuscação“, como as moedas próprias do jogo, tornam difícil ver o quanto você realmente está a gastar.

Outra tática é o uso de loot boxes (“caixas de saque”): os jogadores compram uma caixa sem saber o que há dentro. Ela pode conter um item que muda o jogo favoravelmente — mas, na maioria das vezes, o prémio nada mais é do que uma personalização irrelevante.

“Os jovens demonstram vergonha quando refletem sobre a quantia que gastaram tentando obter um item raro, mesmo que tenham tido sucesso nisso”, diz Mills.

Embora os gastos tenham aumentado, alguns argumentam que os jogos ainda podem beneficiar os jovens e que os receios são exagerados. Pesquisas já mostraram que os jogos, em certa medida, podem aliviar o stress, ajudar a desenvolver habilidades cognitivas e combater a solidão.

Quando era adolescente, Zhenghua Yang passou dois anos no hospital. “Joguei muitos videojogos. Os jogos fizeram-me sentir como um herói. Os jogos para vários ligaram-me a outras pessoas. Fiz amigos para toda a vida, do mundo todo.”

Em 2014, Yang fundou nos EUA a Serenity Forge, uma empresa de jogos com a missão de ajudar as pessoas. “O nosso negócio é expandir os horizontes das pessoas”, explica.

A Serenity Forge não usa microtransações. Mas Yang diz que isso pode mudar se for descoberto que esses recursos contribuem para “jogos significativos e emocionalmente impactantes que desafiam a maneira como se pensa”.

O impacto das microtransações, opina Yang, depende da vulnerabilidade do utilizador. “Assim como um cartão de crédito pode ser perigoso para alguém num contexto inapropriado, as microtransações também podem. No entanto, os cartões de crédito também podem ter uma função importante, e as compras nos jogos podem ser igualmente importantes para um jogador que se envolve com o seu jogo favorito.”

De volta a Barbados, Ward conta que estabeleceu limites no tempo de ecrã e colocou senhas para controlar o uso de jogos de Leif.

“A senha é necessária para fazer qualquer compra, e se ele quiser adicionar colocar dinheiro em sua conta, ele tem que me pedir. As microtransações são irritantes, mas tudo isso é uma lição de vida.”

ZAP // BBC

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