O psiquiatra Daniel Sampaio foi um dos elementos que integrou a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, e está desapontado com a forma como os bispos reagiram às denúncas recolhidas.
“Os senhores bispos sabem que nós sabemos que eles sabem muita coisa.” É, desta forma, que Daniel Sampaio fala do encobrimento de casos de abuso sexual na Igreja por parte de bispos e de outros elementos da hierarquia.
Em entrevista ao Expresso, o psiquiatra diz que “houve vítimas que falaram presencialmente” com a Comissão e que tinham já “exposto a situação a bispos, e a sua posição não fora validada por eles”.
“Fui psiquiatra durante muitos anos num hospital público, vi situações muito difíceis, mas nunca vi tanta gente com tamanha intensidade de sofrimento“, diz ainda Daniel Sampaio, realçando que “a maior parte das pessoas abusadas, mais de 60% têm alterações psicopatológicas graves“.
“Há pessoas que conseguiram organizar a vida, e quando falam dos abusos desatam a chorar, ficam com a respiração alterada”, acrescenta, revelando desânimo com a resposta da Igreja Católica ao relatório apresentado pela Comissão Independente.
“D. José Ornelas, presidente da CEP [Conferência Episcopal Portuguesa], deu-nos liberdade e teve um papel importante para que a Comissão Independente funcionasse”, nota, criticando, contudo, a sua postura na conferência de imprensa de 3 de Março, notando que revelou “uma grande falta de preparação”.
O que mais o “impressiona” é que “não vemos ainda uma estratégia concertada da Igreja sobre este problema”, um sinal de que há bispos implicados no encobrimento de padres abusadores, realça Daniel Sampaio.
“Há uma Igreja velha que não quer mudar”
O psiquiatra entende que há, no seio da Igreja, duas correntes, uma “Igreja velha” que “não quer mudar” e uma “Igreja nova” que quer acabar de vez com os abusos e renovar-se.
“As instituições são difíceis de mudar. Há católicos com uma visão aberta, que pressionam para a mudança. Mas existe uma Igreja velha que não quer mudar“, lamenta.
“O discurso é “pedimos perdão”, “vamos indemnizar”, “vamos estar atentos”, mas não se sente que vem de dentro. Sente-se que é uma construção do que é importante dizer no momento”, acrescenta.
A par disso, Daniel Sampaio fala também da existência de uma “cultura de silenciamento”. “Propusemos que os senhores padres no final da missa fizessem um apelo ao testemunho. E não foi feito”, revela no Expresso. “Enviámos folhetos para todas as dioceses e nem todas os distribuíram”, adiciona.
Daniel Sampaio também assume que “esperava que todas as pessoas indicadas como alegadas abusadoras fossem afastadas“, até porque “o comportamento de abuso sexual de menores tem tendência a ser repetido”.
Contudo, depois da “nova esperança das vítimas” com o “terramoto” de todas as “coisas ditas e demonstradas”, fica “um vazio” pela falta de ação da Igreja.