Um novo estudo revelou a verdadeira forma da nuvem difusa de estrelas que rodeia o disco da nossa Galáxia.
Durante décadas, os astrónomos pensaram que esta nuvem de estrelas – chamada halo estelar – era largamente esférica, como uma bola de praia. Agora, um novo modelo baseado em observações modernas mostra que o halo estelar é oblongo e inclinado, muito semelhante a uma bola de râguebi.
As descobertas, que foram publicadas este mês na revista The Astronomical Journal, fornecem uma visão sobre uma série de áreas temáticas astrofísicas.
Os resultados, por exemplo, lançam luz sobre a história da nossa Galáxia e a evolução galáctica, ao mesmo tempo que fornecem pistas na contínua caça à substância misteriosa conhecida como matéria escura.
“A forma do halo estelar é um parâmetro muito fundamental que acabámos de medir com maior precisão do que era possível antes”, diz o autor principal do estudo, Jiwon “Jesse” Han, estudante de doutoramento no Centro para Astrofísica | Harvard & Smithsonian.
“Há muitas implicações importantes do halo estelar não ser esférico, mas sim com a forma de uma bola de râguebi ou de um zepelim – é só escolher!”
“Durante décadas, a suposição geral tem sido a de que o halo estelar é mais ou menos esférico e isotrópico, ou o mesmo em todas as direções“, acrescenta o coautor do estudo Charlie Conroy, orientador de Han e professor de astronomia na Universidade de Harvard e no Centro para Astrofísica.
“Sabemos agora que a imagem dos nossos livros, da nossa Galáxia inserida num volume esférico de estrelas, tem de ser rejeitada“.
O halo estelar da Via Láctea é a porção visível do que é mais amplamente chamado halo galáctico. Este halo galáctico é dominado por matéria escura invisível, cuja presença só é mensurável graças à gravidade que exerce.
Cada galáxia tem o seu próprio halo de matéria escura. Estes halos servem como uma espécie de andaime sobre o qual pende a matéria comum e visível. Por sua vez, essa matéria visível forma estrelas e outras estruturas galácticas.
Para melhor compreender como as galáxias se formam e interagem, bem como a natureza subjacente da matéria escura, os halos estelares são alvos astrofísicos valiosos.
“O halo estelar é um rastreador dinâmico do halo galáctico“, diz Han. “A fim de aprender mais sobre os halos galácticos em geral, e especialmente sobre o halo galáctico e a história da nossa própria Galáxia, o halo estelar é um ótimo lugar para começar”.
No entanto, a forma do halo estelar da Via Láctea há muito que desafia os astrónomos, pela simples razão de que estamos embebidos nela. O halo estelar estende-se por várias centenas de milhares de anos-luz acima e abaixo do plano repleto de estrelas da nossa Galáxia, onde o nosso Sistema Solar reside.
“Ao contrário das outras galáxias, onde apenas olhamos para elas e medimos os seus halos”, diz Han, “falta-nos o mesmo tipo de perspetiva aérea, exterior ao halo da nossa própria Galáxia”.
Complicando ainda mais as coisas, o halo estelar provou ser bastante difuso, contendo apenas cerca de um por cento da massa de todas as estrelas da Galáxia.
No entanto, com o tempo, os astrónomos conseguiram identificar muitos milhares de estrelas que povoam este halo, que se distinguem de outras estrelas da Via Láctea devido à sua composição química distinta (medida através de estudos da sua luz estelar), bem como pelas suas distâncias e movimentos através do céu.
Através de tais estudos, os astrónomos aperceberam-se que as estrelas do halo não estão uniformemente distribuídas. Desde então, o objetivo tem sido estudar os padrões de densidade excessiva das estrelas – aparecendo espacialmente como cachos e correntes – para classificar as origens finais do halo estelar.
O novo estudo dos investigadores e colegas do Centro para Astrofísica | Harvard & Smithsonian aproveita dois grandes conjuntos de dados recolhidos nos últimos anos, levantamentos estes que sondaram o halo estelar como nunca antes.
O primeiro conjunto é o do Gaia, uma nave espacial revolucionária lançada pela Agência Espacial Europeia em 2013. O Gaia tem vindo a compilar as medições mais precisas das posições, movimentos e distâncias de milhares de milhões de estrelas na Via Láctea, incluindo algumas estrelas próximas do halo estelar.
O segundo conjunto de dados é do H3 (Hectochelle in the Halo at High Resolution), um levantamento terrestre realizado com o MMT (Multiple Mirror Telescope), localizado no Observatório Fred Lawrence Whipple no estado norte-americano do Arizona, uma colaboração entre o Centro para Astrofísica e a Universidade do Arizona.
O H3 reuniu observações detalhadas de dezenas de milhares de estrelas do halo estelar, demasiado distantes para o Gaia avaliar.
A combinação destes dados num modelo flexível, que permitiu que a forma do halo estelar surgisse de todas as observações, produziu o halo decididamente não esférico – e a forma de bola de râguebi encaixa bem com outras descobertas até à data.
A forma, por exemplo, concorda de forma independente e fortemente com uma teoria de ponta relativa à formação do halo estelar da Via Láctea.
De acordo com este quadro, o halo estelar formou-se quando uma galáxia anã solitária colidiu há 7-10 mil milhões de anos com a nossa muito maior Galáxia.
A galáxia anã é divertidamente conhecida como Gaia-Salsicha-Encélado (GSE), onde “Gaia” se refere à já mencionada nave espacial, “Salsicha” ao padrão que aparece ao traçar os dados do Gaia e “Encélado” é o gigante mitológico grego que foi enterrado debaixo de uma montanha – mais ou menos como a GSE foi enterrada na Via Láctea.
Como consequência deste evento de colisão galáctica, a galáxia anã foi dilacerada e as suas estrelas constituintes espalhadas num halo disperso. Tal história de origem explica a disparidade entre as estrelas do halo estelar e as estrelas nascidas e criadas na Via Láctea.
Os resultados do estudo detalham adicionalmente como a GSE e a Via Láctea interagiram há todos esses éones atrás. A forma de bola de râguebi – tecnicamente chamada elipsoide triaxial – reflete as observações de dois amontoados de estrelas no halo estelar.
Os amontoados formaram-se ostensivamente quando a GSE passou por duas órbitas da Via Láctea. Durante estas órbitas, a GSE teria abrandado duas vezes no chamado apocentro, o ponto mais afastado da órbita da galáxia anã em torno do maior atractor gravitacional, a grande Via Láctea; estas “pausas” levaram à libertação adicional de estrelas por parte da GSE.
Entretanto, a inclinação do halo estelar indica que a GSE se encontrou com a Via Láctea num ângulo incidente e não de frente.
“A inclinação e distribuição de estrelas no halo estelar fornecem uma confirmação dramática de que a nossa Galáxia colidiu com outra galáxia mais pequena há 7-10 mil milhões de anos”, diz Conroy.
Notavelmente, já passou tanto tempo desde a colisão da GSE com a Via Láctea que se esperava que as estrelas do halo estelar se instalassem dinamicamente na clássica forma esférica, há muito assumida.
A equipa diz que o facto de não o terem feito provavelmente tem a ver com o halo galáctico mais amplo. Esta estrutura dominada pela matéria escura está, ela própria, provavelmente inclinada e, através da sua gravidade, está igualmente a manter o halo estelar inclinado.
“O halo estelar inclinado sugere fortemente que o halo de matéria escura também está inclinado“, diz Conroy. “Uma inclinação no halo de matéria escura pode ter ramificações significativas para a nossa capacidade de detetar partículas de matéria escura em laboratórios cá na Terra”.
Este último ponto de Conroy alude às múltiplas experiências de detetores de matéria escura agora em curso e planeadas. Estes detetores podem aumentar as suas hipóteses de capturar uma interação elusiva com a matéria escura se os astrofísicos puderem julgar onde a substância está mais fortemente concentrada, galacticamente falando.
À medida que a Terra se move pela Via Láctea, vai encontrar periodicamente estas mais densas e velozes regiões de partículas de matéria escura, aumentando as probabilidades de deteção.
A descoberta da configuração mais plausível do halo estelar é o que faz avançar muitas investigações astrofísicas enquanto se preenchem os detalhes básicos sobre o nosso lugar no Universo.
“Estas são perguntas tão intuitivamente interessantes de fazer sobre a nossa Galáxia: ‘Qual é o aspeto da nossa Galáxia?‘ e ‘Qual é o aspeto do halo estelar?’,” diz Han. “Com esta linha de investigação e estudo em particular, estamos finalmente a responder a essas perguntas”.
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