Dada a recente promoção do príncipe saudita a primeiro-ministro, a administração Biden garantiu-lhe imunidade num caso civil que o responsabilizava pela morte de Jamal Khashoggi. A decisão está a ser muito criticada por organizações de direitos humanos.
A administração Biden recomendou a um tribunal norte-americano que o príncipe saudita Mohammed bin Salman (MBS) receba imunidade no âmbito do caso da morte do jornalista do The Washington Post Jamal Khashoggi.
Khashoggi era um crítico do regime saudita e foi assassinato no consulado do país em Istambul em 2018, havendo muita especulação de que a ordem para matar terá partido do próprio MBS, algo que o príncipe sempre negou.
No processo, os queixosos alegam que MBS e mais 20 suspeitos, “agiram de forma premeditada: raptaram, prenderam, drogaram, torturaram e assassinaram” o colunista do The Washington Post.
A decisão da administração Biden marca o fim da última tentativa de se responsabilizar legalmente o príncipe pela morte, num processo que foi aberto em território americano pela noiva de Khashoggi, Hatice Cangiz.
MBS foi nomeado primeiro-ministro por decreto real em setembro, o que alimentou a especulação que esta decisão teria como objectivo de ajudar o príncipe a esquivar-se de acusações judiciais em tribunais estrangeiros, nomeadamente na acção que estava aberta nos Estados Unidos.
Numa nota publicada esta quinta-feira à noite, a administração chefiada por Joe Biden usou precisamente esta recente promoção como argumento, afirmando que enquanto chefe de Governo, MBS estava imune no processo.
“O Governo dos Estados Unidos expressou sérias preocupações em relação ao hediondo assassinato de Jamal Khashoggi e levantou essas preocupações publicamente e com os níveis mais altos do Governo saudita”, começa o Departamento de Justiça, lembrando que foram impostas sanções.
“No entanto, a doutrina da imunidade do chefe de Estado está bem estabelecida no direito internacional consuetudinário. Os Estados Unidos informam respeitosamente o tribunal que o réu Mohammed bin Salman, primeiro-ministro do Reino da Arábia Saudita, é o chefe de governo em exercício e, por isso, tem imunidade neste processo”, acrescenta a nota.
Apesar de a recomendação da Casa Branca não ser vinculativa, o mais provável é que o juiz John Bates deixe cair o caso. Em Junho, Bates pediu à administração Biden que enviasse uma recomendação sobre se o príncipe deveria ou não beneficiar de imunidade neste processo, tendo o prazo para a resposta da Casa Branca terminado esta quinta-feira.
Um analista legal próximo do caso avança que sempre se soube que, apesar de o Governo norte-americano não ser uma das partes envolvidas no caso, a sua opinião seria decisiva no decreto do juiz, relata o The Guardian.
“Jamal morreu outra vez”
A decisão está a ser muito contestada. Hatice Cangiz publicou durante a última madrugada uma série de mensagens na rede social Twitter que mostram indignação.
“Jamal morreu uma segunda vez. Ninguém esperava esta decisão. Pensávamos que talvez o sistema de justiça dos Estados Unidos pudesse lançar alguma luz (sobre o caso). Mas, mais uma vez, o dinheiro falou mais alto“, escreveu Hatice Cangiz, referindo-se diretamente ao arquivamento do processo.
Membros da organização não-governamental Democracia para o Mundo Árabe (DAWN, na sigla em inglês), com sede nos Estados Unidos e fundada por Khashoggi, também não popuparam nas críticas.
“A administração Biden ultrapassou os limites ao recomendar imunidade para a MBS e ao evitar a sua responsabilização. Agora que Biden declarou imunidade total, podemos esperar que os ataques de MBS ao povo do nosso país (Arábia Saudita) se tornem ainda piores. Nem sequer a administração Trump fez isto“, disse Sarah Leah Whitson, diretora executiva da DAWN, que considera a decisão “irónica” depois de Biden ter prometido fazer da Arábia Saudita uma “pária” na campanha em 2020.
Agnés Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional, considerou a posição da administração norte-americana uma “profunda traição“.
A recomendação do Governo dos Estados Unidos deu ao líder saudita “uma licença para matar”, disse ainda Khalid al-Jabri, filho de Saad al-Jabri, um antigo espião saudita que acusou o príncipe de enviar uma equipa de ataque ao Canadá.
“Após quebrar a promessa de punir MBS pelo assassinato de Khashoggi, a administração Biden não só o está a proteger de acusações nos tribunais norte-americanos, como o está a tornar mais perigoso do que nunca e com uma ‘licença para matar’ os membros da oposição sem sofrer consequências”, disse Kalid al-Jabril.
Impacto nas relações entre Riade e Washington
Esta decisão deixa definitivamente claro que Joe Biden abandonou a sua promessa eleitoral de responsabilizar MBS pela morte de Khashoggi. Quando se tornou Presidente, Biden entrou com uma postura mais dura contra os velhos aliados sauditas, tendo recusado interagir directamente com o príncipe, que é visto como o verdadeiro líder do país dada idade avançada do rei.
Na mesma altura, as agências de inteligência norte-americanas publicaram um relatório que acusou directamente Mohammed bin Salam de ordenar o assassinato de Khashoggi, o que indicava que Biden ia mesmo arrefecer as relações entre Washington e Riade.
No entanto, a situação mudou este Verão, quando Biden aceitou encontrar-se com o príncipe durante a sua digressão no Médio Oriente, tendo em vista negociar um aumento na produção petrolífera que ajudasse a controlar a escalada de preços provocada pelo boicote ocidental à Rússia na sequência da guerra na Ucrânia.
Os esforços de Biden e as críticas de que foi alvo por “lavar a imagem” do regime saudita acabaram por ser em vão, tendo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) avançado na mesma com um corte à produção petrolífera, o que fará os preços voltar a subir e é um apoio indirecto à Rússia.
O anúncio causou revolta nos Estados Unidos, com a Casa Branca a acusar Riade de se aliar a Moscovo e Biden a prometer “consequências” e a debater propostas legislativas com o Congresso para reduzir o poder da OPEP no mercado petrolífero, para congelar a venda de armas à Arábia Saudita e para retirar as tropas norte-americanas do país.
As acusações e farpas não vieram só dos EUA. Do lado saudita, um primo do príncipe MBS, que é também um líder tribal no país, publicou um vídeo onde ameaçava os aliados com “jihad e martírio“. Tudo indicava que o caldo estava entornado de vez e que a aliança energética de 70 anos entre as duas nações estava por um fio.
Esta decisão dos EUA pode vir pôr alguma água na fervura e reaproximar os dois países. No plano interno, no entanto, Biden pode já esperar muitas críticas, especialmente dos membros da ala mais progressista dos Democratas, que têm sido uma fervorosos opositores das relações entre Washington e Riade.
Se o caso civil avançasse, o que é agora muito pouco provável, isto permitiria que Cengiz e a organização DAWN pedissem um depoimento do príncipe. Caso MBS perdesse o processo, poderia ser responsabilizado e multado.
“Isso significaria que sempre que ele viesse aos Estados Unidos – se ele fosse considerado culpado – poderiam notificá-lo e emitir uma multa. Seria humilhante e significaria efetivamente que ele não poderia viajar para os EUA novamente”, explica Bruce Riedel, ex-analista da CIA e membro da Brookings.
É agora quase impossível ver este cenário a concretizar-se. “A pária está agora acima da lei“, declara Riedel.
Adriana Peixoto, ZAP // Lusa
Como diz o nosso Marcelo Nacional , “Mas enfim esqueçamos isso” !
Do Célinho treteiro tudo se pode esperar. Agora do Biden… vai ser uma nódoa difícil de sair.
Está muito enganado em relação ao bidé.
Bandidos apoiam bandidos