A Câmara dos Representantes e o Senado vão a votos esta terça-feira e as sondagens indicam que os Democratas vão perder o controlo das duas câmaras do Congresso.
São já amanhã as eleições intercalares que vão decidir o Congresso com que Joe Biden terá de negociar nos próximos dois anos. Vão também a votos 36 governos de estados e serão feitos vários referendos estaduais a medidas polémicas, como a legalização de drogas leves ou o aborto.
Actualmente, os Democratas controlam tanto a Câmara dos Representantes como o Senado — sendo que só controlam o Senado graças ao voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris — mas as sondagens são pouco favoráveis à continuidade deste domínio azul.
Apesar de o seu partido controlar ambas as câmaras, isto não tem poupado dores de cabeça a Biden, que tem visto a sua agenda política sucessivamente encalhada no Senado devido à oposição frequente de Joe Manchin e Kyrsten Sinema, dois Senadores Democratas, mais mais conservadores.
Uma viragem para os Republicanos certamente tornaria a vida ainda mais difícil para Biden. É uma tradição norte-americana que o partido do Presidente perca terreno nas intercalares e a actual crise causada pela inflação não tem ajudado a melhorar as perspectivas dos Democratas, já que esta é a preocupação principal dos eleitores. O partido tem apostado mais no direito ao aborto ao longo da campanha, sendo este o segundo tema que mais preocupa os americanos.
De acordo com o agregador de sondagens FiveThirtyEight, há uma probabilidade de 54 em 100 de os Republicanos retomarem o Senado e de 82 em 100 de vencerem a Câmara dos Representantes.
Para além de ser um referendo à prestação de Joe Biden, a eleição está também a ser encarada como um teste à popularidade de Trump, já que os candidatos que o apoiaram foram os grandes vencedores nas primárias Republicanas.
As corridas mais apertadas no Senado
Os mandatos no Senado são de seis anos, pelo que apenas 35 dos 100 Senadores vão a votos esta terça-feira.
Uma das corridas que está a angariar mais atenção é na Pensilvânia, onde o Senador Republicano Pat Toomey anunciou a sua reforma e deixou a sua sucessão em aberto.
A Pensilvânia é sempre um estado imprevisível, tendo até sido um dos três estados no interior oeste (além do Michigan e do Wisconsin) que virou Republicano nas presidenciais de 2016, que deram a vitória a Donald Trump, e que voltou a ser Democrata em 2020, ajudando a coroar Joe Biden.
A escolha será entre o Republicano Mehmet Oz, uma médico e comentador televisivo que está a seguir as pegadas de Donald Trump — e que já recebeu o apoio oficial do ex-Presidente —, e o Democrata John Fetterman, ex-autarca de Braddock e actual vice-governador do estado.
Fetterman tem apostado na defesa de o fim do outsourcing dos empregos e no investimento na produção nacional — um tema importante no interior oeste, onde a indústria emprega muita gente. Já Oz tem-se focado mais em defender o aumento da produção de energia nos Estados Unidos e na necessidade de políticas de imigração mais apertadas. As sondagens dão uma vantagem de 1,1 pontos a Fetterman.
A campanha tem sido feia, com os dois a trocar muitos insultos pessoais — Fetterman acusa Oz de ser extremista e de ter dado conselhos médicos duvidosos enquanto comentador televisivo, enquanto que Oz tem questionado a aptidão de Fetterman para o cargo, já que o Democrata sofreu um AVC em Maio.
No Wisconsin, os Democratas escolheram o vice-governador Mandela Barnes para derrotar o incumbente Republicano Ron Johnson, que já cumpriu dois mandatos, e têm-no acusado de ser um dos propagadores da “big lie” de Trump e de ter tentado reverter a vitória de Joe Biden.
Já o Republicano tem afirmado que Barnes é um “liberal perigoso”, lembrando o seu apoio à representante Alexandria Ocasio-Cortez, que pertence à ala progressista dos Democratas, e acusando Barnes de defender o corte de financiamento à polícia. As sondagens dão uma vantagem de quatro pontos a Johnson.
O Ohio, que também é visto como um estado decisivo e tem tendido para o lado Republicano nos últimos anos, é o palco do confronto entre o representante Democrata Tim Ryan e o empresário e escritor JD Vance, que conta com o apoio dos Republicanos. Ambos estão a lutar para sucederem ao Republicano Robert Portman, que se vai reformar no fim do ano.
Ryan aposta numa campanha pró-trabalhador e usa também o trunfo da oposição aos acordos comerciais assinados por ambos os partidos e que arrasaram a indústria no interior oeste. O representante tem-se também afastado de Joe Biden, tendo-se oposto ao seu plano para perdoar a dívida estudantil, e posiciona-se mais à direita.
JD Vance é um delfim de Trump que se mostra como um exemplo real do sonho americano — um “self-made man” que criou uma fortuna a partir de raízes humildes. As políticas migratórias dos Democratas e a sua gestão da crise económica têm sido os seus principais alvos na campanha, relata a Forbes.
O candidato também tem promovido a teoria da conspiração racista da “grande substituição”, que já inspirou os autores de vários tiroteios em massa. As sondagens dão uma vantagem de 2,3 pontos a JD Vance.
No Nevada, o ex-procurador-geral estadual Adam Laxalt está a tentar derrotar a incumbente Democrata Catherine Cortez Masto. Os temas escolhidos pelos candidatos espelham a estratégia nacional dos seus partidos — o Republicano tem martelado na inflação, que culpa nos “gastos descontrolados” de Biden, enquanto que a Democrata tem prometido defender o direito ao aborto.
Cortez Masto foi a favorita durante os últimos meses, mas as sondagens mais recentes dão agora uma vantagem de menos de um ponto a Adam Laxalt, que foi apoiado oficialmente por Trump, estando tudo em aberto.
No Arizona, que em tempos foi um bastião Republicano e que se tem tornado mais competitivo nos últimos anos — tendo sido determinante para a vitória de Biden — o Senador Democrata Mark Kelly procura ganhar mais um mandato na corrida contra o empresário Republicano Trumpista Blake Masters.
Kelly tem feito do aborto a sua principal bandeira eleitoral e defende ainda um aperto nas leis das armas enquanto que Masters aposta nas críticas à imigração descontrolada, já que o Arizona faz fronteira com o México. As sondagens dão uma pequena vantagem de 1,9% ao Democrata.
Na Geórgia, o candidato Republicano e ex-jogador de futebol americano Herschel Walker procura destituir o Democrata Raphael Warnock.
A campanha de Walker tem sido marcada por escândalos — apesar de apoiar a proibição ao aborto, duas ex-namoradas suas já vieram a público dizer que Walker lhes pagou para interromperem a gravidez e o candidato foi também acusado de mentir ao ter insinuado que trabalhou como polícia.
Pelo contrário, Warnock tem defendido publicamente o direito ao aborto e aponta a sua experiência política como um trunfo eleitoral. As polémicas não têm abalado Walker e a eleição continua em aberto, apesar de as sondagens darem uma pequena vantagem de 1,2 pontos a Warnock.
O cenário na Câmara dos Representantes
Na Câmara dos Representantes, todos os 435 congressistas vão a votos a cada dois anos e os Republicanos precisam apenas de virar cinco lugares para assegurarem o seu controlo.
A maioria dos lugares Democratas em risco foram reconquistados em 2018, quando o partido retomou a Câmara que estava nas mãos dos Republicanos. Neste ano, os Democratas aproveitaram a impopularidade de Trump para a campanha e fizeram grandes promessas sobre o acesso à saúde, o que lhes permitiu virar 41 lugares e retomar a maioria.
Ambos os partidos têm frequentemente citado os lugares dos representantes Democratas Cindy Axne, no Iowa, Tom Malinowski, na Nova Jérsia, e Elaine Luria, na Virgínia, como aqueles que estão mais em risco de cair nas mãos Republicanas.
As principais dores de cabeça para os Democratas surgem nos distritos nos estados na costa leste, como a Virgínia, e há até distritos que são bastiões do partido que podem agora virar, principalmente nos subúrbios de Nova Iorque, como em Long Island, onde as preocupações com o crime e a inflação na Big Apple têm contagiado as zonas mais próximas.
Há ainda distritos historicamente Democratas no Connecticut, Califórnia, Oregon e Rhode Island — todos estados que são muralhas azuis — que podem causar surpresas, escreve o Washington Post.
No entanto, os Republicanos também têm algumas dores de cabeça, principalmente devido a candidatos que apoiam as acusações infundadas de fraude eleitoral propagadas por Donald Trump. O partido arrisca ainda perder alguns lugares devido ao redesenho dos mapas eleitorais.
O impacto da supressão de voto
Desde a derrota de Trump que vários estados republicanos têm avançado com a aprovação de leis que restringem o acesso ao voto. A maioria das mudanças implica a limitação do voto pelo correio, a expansão dos requerimentos para a identificação dos eleitores, a redução do número de locais de voto, o encurtamento dos prazos e horários para votar ou a remoção de eleitores inactivos dos registos.
De acordo com um recente relatório do Brennan Center for Justice, 20 dos 50 estados americanos avançaram com leis neste sentido. Os especialistas referem que estas leis tendem a prejudicar principalmente os eleitores mais pobres, que têm menos meios para contornar as burocracias.
As restrições afectam 48 milhões de norte-americanos, o que corresponde a mais de um quinto da população adulta do país, relata a ProPublica. O impacto destas leis nos resultados eleitorais será sabido pela primeira vez esta terça-feira.