Ao realizar uma série de “flybys” reais e “falsos”, a sonda Mars Express da ESA revelou como a maior lua de Marte, Fobos, interage com o vento solar de partículas carregadas lançadas pelo Sol – e detetou um processo elusivo que só tinha sido antes visto uma vez em Fobos.
O vento solar é emanado pela nossa estrela, preenchendo o Sistema Solar com partículas energéticas. A nossa Lua reflete estas partículas continuamente, e o mesmo “retroespalhamento” é esperado na lua Fobos de Marte, dadas as semelhanças entre as duas. No entanto, a Mars Express só viu o retroespalhamento uma vez (em 2008), apesar de se aproximar de Fobos muitas vezes.
Os investigadores relatam agora a segunda deteção bem-sucedida de partículas refletidas do vento solar em Fobos, detetadas durante um voo rasante pela lua em janeiro de 2016.
“A relação de Fobos com o vento solar tem sido um enigma”, diz Yoshifumi Futaana, do Instituto Sueco de Física Espacial e autor principal do novo artigo sobre o “flyby” de 2016. “Sabemos que Fobos deve interagir com estas partículas, mas não estamos a vê-las – porquê? Porque é que Fobos está a comportar-se de maneira tão diferente da Lua quando as duas parecem ser bastante semelhantes?”
“Pela primeira vez em oito anos de passagens rasantes, estamos ansiosos por ver novamente os sinais destas partículas refletidas na maior lua de Marte.”
No entanto, dado que este retroespalhamento é tão intermitente e raramente visto em Fobos, os cientistas perguntaram-se se o fenómeno poderia ter sido provocado pela própria Mars Express refletindo partículas do vento solar.
Durante o “flyby” de 2008, a nave espacial moveu os seus painéis solares e orientou-se para apontar os seus instrumentos para Fobos – uma manobra que pode ter afetado o comportamento das partículas em redor.
“A mesma crítica permaneceu para o voo rasante de 2016: como é que sabemos que esta deteção é, efetivamente, reflexo de Fobos, e não da própria Mars Express?” acrescenta Yoshifumi.
“Flybys falsos”
Para explorar esta possibilidade, os investigadores realizaram três operações especiais sem precedentes, apelidadas de “flybys falsos”, com a sonda em 2017.
Usando exatamente a mesma sequência de operação, manobras de controlo e ajustes de painéis solares, a Mars Express voou por uma região do espaço preenchida com vento solar, mas sem a presença de Fobos, essencialmente realizando um “flyby” – apenas sem o seu alvo.
“Em essência, estávamos a realizar uma espécie de experiência laboratorial em Marte”, diz o coautor Mats Holmström, também do mesmo instituto sueco e investigador principal do instrumento ASPERA-3 da Mars Express, que observou as partículas refletidas. “Os sobrevoos ‘falsos’ permitem-nos explorar como a Mars Express influencia o vento solar num ambiente mais controlado, para que possamos procurar sinais de que a própria nave espacial é a causa da reflexão das partículas.”
As passagens rasantes “falsas” não revelaram nenhum sinal de que a Mars Express produziu ou espalhou quaisquer partículas, sugerindo que Fobos realmente refletiu as partículas detetadas de volta para o espaço durante os sobrevoos de 2008 e 2016.
Espalhamento esporádico
Apesar disto, as partículas retroespalhadas só foram detetadas em dois dos mais de uma dúzia de passagens por Fobos e, mesmo assim, os sinais são esporádicos e intermitentes. Isto é totalmente diferente do que vemos na Lua, outro corpo que não tem atmosfera e campo magnético e, portanto, seria de esperar que se comportasse de maneira semelhante. Porquê esta diferença?
Yoshifumi e colegas consideraram uma série de possibilidades, desde processos que talvez ocorrem em escalas espaciais ou temporais diferentes daquelas capturadas pela Mars Express, a possível magnetismo em Fobos, a diferenças nas composições da superfície de Fobos e da Lua – e mais.
“No geral, as partículas intermitentes provavelmente estão a ser refletidas da superfície de Fobos, mas não podemos descartar outra origem misteriosa,” acrescenta Yoshifumi. “No entanto, os voos ‘falsos’ ajudaram-nos a entender muito melhor a situação, mostrando explicitamente que a Mars Express não era a fonte.”
“Para saber mais, precisamos de mais ‘flybys’ da Mars Express por Fobos em várias configurações. Mesmo que durante esses sobrevoos não seja vista nenhuma partícula refletida, até a ausência de um sinal fornece estatísticas valiosas.”
O comportamento diferente do vento solar, em Fobos e na Lua, implica que as superfícies de cada um evoluíram de maneira diferente, levantando questões intrigantes sobre como o sistema de Marte difere do nosso.
Explorando Fobos
Como uma das apenas três luas no Sistema Solar interior, Fobos é de grande interesse para a exploração espacial – passada, presente e futura.
Desde o programa soviético de Fobos da década de 1980 até às missões futuras como a japonesa MMX (Martian Moons eXploration), com lançamento planeado para meados desta década, têm havido muitos esforços dedicados para explorar a origem, ambiente, comportamento e evolução da maior lua de Marte.
A ESA é parceira da JAXA na missão MMX, fornecendo equipamentos de comunicação, suporte no rastreamento e controlo de naves espaciais e oportunidades para cientistas se juntarem à equipa científica da missão. A MMX vai caracterizar ambas as luas marcianas, Fobos e Deimos, colocar um rover na superfície de Fobos e enviar uma amostra do satélite natural para análise cá na Terra. Um dos principais objetivos da MMX é determinar se as luas são asteroides capturados pela gravidade de Marte ou fragmentos remanescentes de um impacto gigante.
Para lá do nosso conhecimento de Fobos – e de outros corpos rochosos ou gelados que exigem física semelhante que a ESA planeia explorar, desde Mercúrio, passando por asteroides, até às luas galileanas de Júpiter – compreender como as partículas carregadas se comportam no espaço é fundamental para a exploração espacial.
Por exemplo, os astronautas na Lua estão expostos ao vento solar, uma consideração chave para os próximos planos da ESA de expedições humanas ao espaço. As interações de superfície em planetas e luas também são um componente central da química da superfície, possivelmente incluindo como os corpos se formam e armazenam água.
“Esta descoberta usa a Mars Express de uma forma verdadeiramente única para resolver um mistério cósmico contínuo – mostra uma engenhosidade maravilhosa e destaca a flexibilidade e as diversas capacidades da missão”, diz Dmitrij Titov, cientista do projeto Mars Express da ESA.
“O estudo também mostra o valor dos nossos colegas de operações e dos arquivos de dados em permitir novas descobertas e conhecimentos e tornar possível um trabalho importante como este. Temos que compreender o ambiente espacial para o explorar com satélites ou com astronautas e, assim, a determinação da dinâmica em jogo no sistema marciano é um importante passo em frente.”
Yoshifumi e colegas acederam a dados do “flyby” da Mars Express por Fobos de 2016 armazenados pelo Arquivo de Ciências Planetárias da ESA.
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