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De refugiado sem-abrigo a prodígio do xadrez. A vida de Tani Adewumi, de 11 anos, dava um filme

Tani Adewumi, prodígio do xadrez aos 11 anos

Escapou aos Boko Haram e acabou por ser uma das maiores promessas mundiais do xadrez. Com apenas 11 anos, Tani Adewuni já colecciona troféus e ambiciona ser o melhor do mundo.

Se Tani Adewuni já era excepcional por ser um prodígio do xadrez com apenas 11 anos, a sua história de vida torna o seu percurso ainda mais notável. A história de como Tani se tornou uma promessa no desporto começa há quase seis anos, quando o pai, Kayode Adewumi, estava a trabalhar na sua gráfica, em Abuja, na Nigéria.

Num certo dia em Dezembro de 2015, quatro homens entraram na loja com uma encomenda de 25 mil posters. O pai de Tani não o sabia na altura, mas os clientes eram membros do Boko Haram, tendo-o descoberto quando viu o conteúdo dos posters, que diziam em árabe: “Morte a todos os cristãos. Morte à educação ocidental”.

Adewumi é cristão e fingiu que as impressoras estavam avariadas quando os homens voltaram para levantar a encomenda. Mas os terroristas não acreditaram, e Adewumi teve de fingir que estava a atender uma chamada e fugir pela porta dos fundos.

Pouco tempo depois, quando o pai de Tani estava fora, os homens apareceram em sua casa e exigiram saber onde Kayode Adewumi estava, tendo ameaçado a sua mulher com uma arma.

Tudo agora não passa de uma memória distante, mas Oluwatoyin, mãe de Tani, ainda se mostra consternada pela memória. Conseguiu salvar-se dizendo em árabe que era muçulmana, sabendo falar a língua por ter sido criada na religião islâmica.

A família agora acredita que os terroristas desconfiaram de que eram cristãos por causa do crucifixo que tinham pendurado na gráfica.

Felizmente, tanto Tani como o seu irmão mais velho Austin dormiram durante o sucedido. “Estávamos a ressonar!”, revela o prodígio do xadrez ao NPR. Depois do incidente, a família acabou por se mudar dentro da Nigéria, mas em Junho de 2017, decidiram abandonar de vez o país com vistos de turistas.

A família foi ajudada por o pastor Philip, que os deixou viver na sua cave em Queens, Nova Iorque, e contactou um refúgio para sem-abrigo em Manhattan, que acolheu os Adewuni. Pouco tempo depois de chegar aos EUA, Tani inscreveu-se no clube de xadrez da sua escola, na condição de que a sua propina de inscrição de 330 dólares fosse suspensa.

O pedido foi concedido, depois do treinador Shawn Martinez ter reconhecido imediatamente o potencial do menino nigeriano. “Ele tem uma memória incrível e está muito interessado em aprender”, explica.

Depois de estar apenas a jogar há um ano, Tani venceu a divisão primária no campeonato escolar estadual de Nova Iorque de 2019. A tentar ajudar a família, os seus treinadores espalharam a palavra nos meios de comunicação sobre o jovem prodígio cuja família não tinha casa, tendo conseguido que o feito de Tani chegasse à coluna de Nicholas Kristof no New York Times.

Quando a notícia se começou a difundir, começou também a chegar a solidariedade de quem começou a doar para o GoFundMe da família, que conseguiu 250 mil dólares em 10 dias. Os convites para entrevistas também começaram a empilhar-se.

“Uma família pagou-nos a renda durante um ano em Manhattan, uma família deu-nos em 2019 o Honda novo, e o clube de xadrez de Saint Louis no Missouri convidou a família e os treinadores a ir lá visitar. Muitas pessoas ajudaram-nos e deram-nos apoio financeiro”, revela Kayode Adewumi, à CNN.

Para além de ser usado para garantir as necessidades básicas da família, o dinheiro angariado está também a ser usado para financiar a Fundação Tanitoluwa Adewumi, que apoia crianças carenciadas por todo o mundo e quer ajudá-las a “alcançar a excelência na aprendizagem do xadrez”.

Temos de dar de volta a quem precisa, porque nós sabemos o que custa. Já vivemos tudo. Quando estávamos no abrigo, algumas pessoas ainda lá estão. Temos de ajudar quem precisa, especialmente na comunidade do xadrez”, explica Tani.

O comediante e apresentador Trevor Noah também já comprou os direitos para fazer um filme baseado em Tani e a família escreveu com Craig Borlase um livro a relatar a história do menino. No total, o menino já publicou quatro livros.

“Explodiu tudo. Agora acredito vivamente que isto foi Deus a abençoar-nos”, afirma o pai de Tani. “É uma história muito bonita“, comenta também Shawn Martinez.

“Quero bater o recorde do Magnus Carlsen”

“Sou agressivo. Gosto de atacar. É a forma como eu penso no geral: quero fazer xeque-mate o mais rápido que possa”, revela o jovem prodígio à CNN. Com 11 anos recém-comemorados a 3 de Setembro, Tani tornou-se a 28ª pessoa mais jovem de sempre a tornar-se Mestre Nacional de Xadrez – e quer agora ser o mais novo Grande Mestre, o título mais alto no jogo.

Esse recorde é actualmente detido por Abhimanyu Mishra, de 12 anos, mas Tani está a treinar cerca de sete horas diariamente para o tentar bater, enquanto concilia o xadrez com a escola. Quando não tem aulas, pode chegar a treinar até 10 horas diárias.

Apesar da sua dedicação, o prodígio admite que o jogo também exige talento natural. “O jogo é-te destinado. Simplesmente surgiu-me e sou muito criativo com ele”, explica à KSDK News.

O seu talento e trabalho já lhe valeram vários troféus, mas o mais especial é o concurso estadual em Nova Iorque conquistado em 2019, por todas as portas que lhe abriu. “Foi esse que nos levantou mesmo para onde estamos hoje, e também a mim e ao meu xadrez”, afirma.

Mas a sua colecção de troféus está longe de satisfazer as suas ambições. “Quero ser o Grande Mestre mais novo de sempre e provavelmente campeão do mundo e chegar à classificação de 2900 da FIDE (Federação Internacional de Xadrez)”, explica. O actual recorde é detido por Magnus Carlsen, que chegou a uma classificação de 2882.

A história de Tani tem também semelhanças com a série da Netflix “The Queen’s Gambit”, que conta a história da jovem prodígio Beth Harmon, uma orfã que nos anos 60 se torna campeã de xadrez.

Tani já viu a série e revela que vê algumas semelhanças entre a sua história e a da protagonista da Netflix. “O xadrez é tudo para mim, é a minha vida. Foi assim que eu cheguei onde estou hoje”, conclui.

Adriana Peixoto, ZAP //

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