Uma minhoca com pernas e espinhos encontrou, finalmente, o seu lugar na cadeia evolutiva.
Durante anos, os fósseis deste animal pré-histórico inquietavam cientistas, que não conseguiam encontrar nenhuma evidência que explicasse a relação do seu processo evolutivo com o de com qualquer outro animal da mesma época – 500 milhões de anos atrás – ou da era moderna.
A sua aparência parece ser produto de uma alucinação, o que explica o seu nome científico: Hallucigenia sparsa.
Este animal assemelha-se a um verme, mas tem pernas, espinhos e uma cabeça difícil de distinguir da cauda. Uma fileira de espinhos duros nas costas e sete ou oito pares de pernas, cada uma com as suas garras.
Tudo isso num animal entre 5 a 35 mm, que vivia no fundo do oceano. Por estas razões, era considerado como uma espécie “marciana”.
Os seus restos fossilizados foram identificados no final da década de 1970. Agora, pela primeira vez, cientistas confirmam a sua ligação a um grupo de animais modernos.
Investigadores da Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha, descobriram um parentesco com vermes que vivem em florestas tropicais (Onychophora), descreveram, numa pesquisa publicada na revista Nature.
A pista estava num detalhe: as pequenas garras. “As peculiares garras do Hallucigenia são a evidência que resolveu um longo e intenso debate no campo da biologia evolutiva”, disse Martin Smith, um dos autores do estudo.
Pernas ou espinhos?
O paleontólogo Simon Conway Morris identificou o estranho animal em 1977 entre fósseis encontrados nas Montanhas Rochosas do Canadá, segundo a revista New Scientist.
Ali, na formação geológica dos Xistos de Burgess, encontra-se um dos maiores depósitos de fósseis do período da explosão cambriana, quando apareceram pela primeira vez muitos dos principais grupos de animais do planeta, de acordo com registos fósseis.
Inicialmente, pensou-se que os espinhos do animal eram as pernas; as pernas, tentáculos; e a cabeça, a cauda.
“Pensa-se frequentemente que o grupo de animais modernos surgiu completamente formado durante a explosão cambriana”, disse Smith. “Mas a evolução é um processo gradual: a anatomia complexa de hoje surgiu passo a passo.”
Já se suspeitava que os vermes Onychophora pudessem estar relacionados com o extravagante Hallucigenia, mas até agora não havia sido encontrada qualquer evidência.
De acordo com o estudo de Smith, as pequenas garras deram a pista. Na Hallucigenia, existem capas de cutículas (semelhantes à substância dura das unhas) que são empilhadas umas dentro das outras. A mesma estrutura pode ser encontrada nas mandíbulas dos Onychophora, que são patas modificadas para mastigar.
Segundo os cientistas, esta descoberta abre um novo caminho de conhecimento sobre os artrópodes, grupo que inclui aranhas, insetos e crustáceos.
“Muitos dos estudos com base genética sugerem que os artrópodes e os vermes Onychophora estão intimamente ligados”, disse Javier Ortega Hernández, co-autor do trabalho.
“No entanto, os nossos resultados indicam que os artrópodes estão cada vez mais perto dos tardigrades, grupo de animais microscópicos mais conhecidos por serem capazes de sobreviver no vácuo do espaço e em temperaturas abaixo de zero, o que deixa o Onychophora como primos distantes”.
Ao examinar os fósseis da explosão cambriana e organismos vivos, dizem os especialistas, será possível descobrir mais sobre a origem dos animais complexos e a evolução enigmática destes seres primitivos.
ZAP / BBC