A legislação proposta na Polónia que proibiria a criação de martas e colocaria em prática uma série de proteções para outros animais, criou divisões profundas na coligação polaca e quase derrubou o governo.
O projeto-lei, que ganhou força depois de a televisão polaca ter exibido um documentário onde se viam martas – mamíferos semiaquáticos, muito apreciados pela sua pele – a viver em condições deploráveis numa quinta, conseguiu um amplo apoio público.
Mas a coligação governamental encontrava-se dividida, travando batalhas internas cada vez mais intensas em plena situação pandémica. Perante estas preocupações, Jaroslaw Kaczynski, presidente do Partido da Lei e da Justiça, agiu como um amortecedor entre as fações opostas, contendo a revolta.
Kaczynski interveio esta terça-feira para ser declarado vice-primeiro-ministro. Além de separar os membros da coligação, uma das suas principais tarefas será a de aumentar o apoio público ao Partido da Lei e da Justiça, cujo candidato à presidência é Andrzej Duda.
Uma vez que Kaczynski tem sido a figura por trás dos esforços do partido para marginalizar a comunidade LGBT, uma campanha que afastou muitos eleitores jovens, este será um desafio difícil.
Além disso, o governo também tem um histórico sombrio em questões ambientais, desde a extração de madeira das antigas florestas do país até à falha em conter a dependência do carvão. No entanto, Kaczynski vê uma oportunidade em defender os direitos dos animais.
“Este é um momento crucial para o partido“, disse Wojciech Przybylski, editor do Visegrad Insight, um jornal de política focado na Europa Central. Wojciech acrescentou ainda que Kaczynski sabe que precisa de expandir a sua base política para incluir eleitores mais jovens e moderados, enviando “uma mensagem de preocupação com a natureza e os animais”.
A questão também parece pessoal para Kaczynski, que é conhecido pela sua afeição aos animais. O homem de 71 anos, publicou um vídeo no TikTok, em que promovia o desafio #StopFurChallenge.
Mateusz Morawiecki, o primeiro-ministro da Polónia, concordou com Kaczynski na questão dos animais, publicando também um vídeo na mesma rede social, no qual apoiava a proibição de peles de origem animal.
O líder do partido Polónia Unida, Zbigniew Ziobro, que é também Ministro da Justiça, opõe-se à legislação e, até à intervenção de Kaczynski, o seu partido ameaçou retirar-se da coligação – um movimento que teria levado a maioria parlamentar do governo.
A oposição de Ziobro à proibição da criação de martas reflete as raízes profundas da indústria na Polónia, visto que o país tem das maiores quintas de criação que existem na Europa e a terceira maior do mundo. O projeto, que ainda está em debate, prevê o encerramento das quintas de peles no prazo de um ano.
Além disso, a lei – veementemente criticada por políticos da extrema direita – também acabaria com o uso de animais selvagens em circos, restringiria o acorrentamento de cães e o abate de animais para alimentação.
O padre Tadeusz Rydzyk, um conservador com fortes ligações ao Partido da Lei e da Justiça, usou a sua estação de rádio Maryja para atacar a legislação.
“Agora, eles sentem pena destes pequenos animais”, disse Rydzyk, acrescentando que o governo deveria concentrar-se em coisas como limitar ainda mais os direitos ao aborto. “Não vamos animalizar o homem e humanizar os animais”, atirou.
O projeto-lei também vê a oposição da indústria da carne, que defende que os seus negócios de exportação para mercados com requisitos halal e kosher seriam gravemente atingidos. Jacek Zarzycki, presidente da Associação Polaca de Criadores e Produtores de Gado de Corte, disse que se o projeto fosse aprovado, poderiam perder 30% das receitas.
“Não podemos permitir. Vamos perder os melhores mercados de exportação de carne bovina polaca, que é a estrela da exportação de agricultura polaca ”, disse Zarzycki à TVN24, citado pelo New York Times.
Mas o que realmente importa são os pequenos animais. Szczepan Wojcik, que controla a grande maioria das quintas de martas do país, tornou-se numa figura nacional.
“Eu sou a pessoa mais atacada na Polónia”, disse em entrevista numa das suas quintas, a cerca de 97 quilómetros de Varsóvia.
Wojcik vê os ataques como parte de uma guerra cultural na Polónia. “As pessoas que começaram o debate sobre os direitos dos animais, proibindo o uso de animais pelo homem (por exemplo, para peles) são exatamente as mesmas pessoas que apoiam a comunidade LGBT, casamento entre pessoas do mesmo sexo, aborto, eutanásia e aí por diante”, disse.
No entanto, sondagens recentes apontam para um apoio esmagador à nova legislação. Isso deve-se, principalmente, ao documentário da organização de direitos dos animais Open Cages, que mostra imagens horríveis de martas a atacarem-se mutuamente e a comer os seus restos mortais.
“Os polacos não querem quintas de peles”, disse Bogna Witkowska, uma das líderes do grupo. Já Wojcik diz que as filmagens do documentário foram manipuladas, acrescentando que era de seu interesse manter os animais bem cuidados, já que a condição do seu pelo iria determinar o valor que conseguiria obter pelos animais.
“As pessoas devem tratar dos animais, mas são os animais que devem servir as pessoas, e não o contrário”, disse Wojcik, mostrando que não vê nada de errado no seu negócio.
Em média, 6,5 milhões de martas são abatidas na Polónia todos os anos. Ainda assim, o país produz menos peles do que a China e a Dinamarca.