A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil de suspender a proibição de homens homossexuais doarem sangue encerra anos de preconceito e representa uma vitória, afirmou o advogado Rafael Carneiro.
“Esse pensamento preconceituoso levou muitas pessoas a acreditar que os homossexuais têm sangue pior e impuro. Estávamos desistindo de salvar vidas por preconceito”, disse Carneiro, que, em 2016, apresentou ao STF uma ação judicial para acabar com a proibição, segundo noticiou na quarta-feira a agência Lusa.
Em 08 de maio, o STF considerou inconstitucionais as regras oficiais que impediam a doação de sangue realizada por homens que fizeram sexo com pessoas do mesmo sexo nos 12 meses anteriores.
Para Carneiro, a decisão histórica ocorreu em um momento igualmente histórico, devido à pandemia do novo coronavírus, que atinge o mundo e ameaça os stocks de banco de sangue em vários países, incluindo o Brasil.
“Houve uma urgência em julgar o caso. Além de acabar com a discriminação, as restrições afetaram a própria saúde brasileira, pois sabemos que a falta de sangue no Brasil é muito alta”, afirmou o advogado.
O STF retomou o julgamento após três anos de paralisia e o fez em um momento em que vários países, como os Estados Unidos, Dinamarca, Austrália e Irlanda do Norte, diminuíram os seus requisitos para facilitar a doação de sangue de homossexuais para enfrentar a pandemia.
“O que torna uma pessoa não adequada para doação de sangue são comportamentos de risco, relacionamentos promíscuos, uso de drogas, encontros com profissionais do sexo. Mas ter uma orientação sexual não é um comportamento de risco”, disse Carneiro.
A restrição à doação de sangue por homens gays remonta ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando surgiram os primeiros casos de SIDA no mundo e no Brasil.
À medida que as investigações avançavam, a infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) também foi detetada em mulheres, heterossexuais e crianças, mas as pessoas pertencentes aos grupos de risco continuaram a carregar o estigma da doença.
“Mas a verdade é que um casal homossexual em um relacionamento estável, sem relacionamentos extraconjugais, não tem possibilidade de transmissão”, afirmou Carneiro.
O advogado destacou o papel que o STF conquistou nos últimos anos na “garantia de direitos fundamentais”, especialmente na comunidade LGBT, considerando que este “tem estado bastante vigilante na luta contra o preconceito e a discriminação” em um momento em que “não se pode esperar um comportamento favorável do [poder] executivo”.
Em 2011, o STF reconheceu a união estável entre casais do mesmo sexo, posteriormente o tribunal autorizou a mudança de nome de transexuais em documentos oficiais (2018), criminalizou a homofobia (2019) e, agora, suspendeu as restrições aos doadores de sangue homossexuais.
“Recentemente, o Supremo Tribunal Federal foi marcado por conflitos entre os poderes, mas a sua principal função é precisamente a proteção dos direitos fundamentais, está em sua essência”, concluiu Carneiro.