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Planeta do tamanho da Terra e na zona habitável encontrado escondido em dados antigos do Kepler

NASA/Centro de Pesquisa Ames/Daniel Rutter

Uma equipa de cientistas transatlânticos, usando dados reanalisados do telescópio espacial Kepler da NASA, descobriu um exoplaneta do tamanho da Terra em órbita na zona habitável da sua estrela, a área em redor de uma estrela onde um planeta rochoso pode suportar água líquida.

Os cientistas descobriram este planeta, chamado Kepler-1649c, ao examinarem observações antigas do Kepler, que a agência espacial reformou em 2018. Enquanto pesquisas anteriores com um algoritmo de computador o identificaram erroneamente, os investigadores que reviam dados do Kepler deram uma segunda olhada na assinatura e reconheceram-no como um planeta. De todos os exoplanetas encontrados pelo Kepler, este mundo distante – localizado a 300 anos-luz da Terra – é o mais semelhante em tamanho e temperatura estimada com a Terra.

Este mundo recém-revelado é apenas 1,06 vezes maior do que o nosso próprio planeta. Além disso, a quantidade de luz estelar que recebe da sua estrela hospedeira corresponde a 75% da quantidade de luz que a Terra recebe do nosso Sol – o que significa que a temperatura do exoplaneta também pode ser semelhante à do nosso planeta.

Mas, ao contrário da Terra, orbita uma anã vermelha. Embora não tenha sido ainda observado neste sistema, este tipo de estrela é conhecido pelas suas explosões estelares que podem tornar o ambiente de um planeta um desafio para qualquer potencial vida.

“Este mundo intrigante e distante dá-nos ainda mais esperança de que uma segunda Terra esteja por aí entre as estrelas, à espera de ser encontrada,” disse Thomas Zurbuchen, administrador associado do Diretorado de Missões Científicas da NASA em Washington, EUA. “Os dados recolhidos por missões como a do Kepler e do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) vão continuar a produzir descobertas surpreendentes, à medida que a comunidade científica aprimora as suas capacidades de procurar planetas promissores anos após ano.”

Ainda há muitos aspetos desconhecidos sobre Kepler-1649c, incluindo a sua atmosfera, o que pode afetar a temperatura do planeta. Os cálculos atuais do tamanho do planeta têm margens de erro significativas, assim como todos os valores na astronomia no que toca a estudar objetos tão longínquos. Os planetas rochosos que orbitam anãs vermelhas são de particular interesse biológico.

No entanto, os astrobiólogos precisarão de muitas mais informações sobre este planeta para avaliar se é promissor para a vida como a conhecemos. Mas, com base no que se sabe, Kepler-1649c é especialmente intrigante para os cientistas que procuram mundos com condições potencialmente habitáveis.

Estima-se que outros exoplanetas estejam mais próximos do tamanho da Terra, como TRAPPIST-1f e, segundo alguns cálculos, Teegardecn c. Outros podem estar mais próximos da Terra em termos de temperatura, como TRAPPIST-1d e TOI 700d. Mas não há outro exoplaneta que seja considerado mais próximo da Terra em ambas as propriedades, que também se encontre na zona habitável do seu sistema.

“De todos os planetas erroneamente categorizados que recuperámos, este é particularmente excitante – não apenas porque está na zona habitável e é do tamanho da Terra, mas também devido à forma como pode interagir com o seu planeta vizinho,” disse Andrew Vanderburg, investigador da Universidade do Texas em Austin e autor principal do artigo publicado dia 15 de abril na revista The Astrophysical Journal Letters. “Se não tivéssemos analisado o trabalho do algoritmo manualmente, tê-lo-íamos perdido.”

Kepler-1649c orbita a sua pequena estrela anã vermelha tão perto que um ano é equivalente a apenas 19,5 dias terrestres. O sistema possui outro planeta rochoso do mesmo tamanho, mas orbita a estrela a cerca de metade da distância de Kepler-1649c, semelhante à forma como Vénus orbita o nosso Sol a cerca de metade da distância da Terra. As estrelas anãs vermelhas estão entre as mais comuns na Galáxia, o que significa que planetas como este podem ser mais comuns do que se pensava anteriormente.

À procura de falsos positivos

Anteriormente, os cientistas da missão Kepler desenvolveram um algoritmo chamado Robovetter para ajudar a classificar as enormes quantidades de dados produzidos pela missão Kepler, gerida pelo Centro de Pesquisa Ames da NASA em Silicon Valley, no estado norte-americano da Califórnia.

O Kepler procurou planetas usando o método de trânsito, observando estrelas à procura de quedas no seu brilho enquanto planetas passavam à sua frente.

Na maioria das vezes, estas diminuições de brilho vêm de outros fenómenos que não planetas – desde mudanças naturais no brilho estelar até à passagem de outros objetos cósmicos – dando a entender que um planeta está lá quando não está. A tarefa do Robovetter era distinguir as 12% de quedas de brilho que eram planetas reais.

Estas assinaturas que o Robovetter determinou serem de outras fontes foram rotuladas como “falsos positivos”, o termo para um resultado de teste erroneamente classificado como positivo.

Com um enorme número de sinais complicados, os astrónomos sabiam que o algoritmo cometeria erros e precisariam de ser verificados – um trabalho perfeito para o Grupo de Trabalho de Falsos Positivos do Kepler. A equipa revê o trabalho do Robovetter, passando por todos os falsos positivos para garantir que são realmente erros e não exoplanetas, garantindo que menos potenciais descobertas são negligenciadas. Ao que parece, o Robovetter tinha rotulado incorretamente Kepler-1649c.

Mesmo enquanto os cientistas que trabalham para automatizar ainda mais processos de análise para obter o máximo de ciência possível a partir de qualquer conjunto de dados, esta descoberta mostra o valor da verificação manual do trabalho automatizado.

Mesmo seis anos após a conclusão da missão de recolha de dados do Kepler, no seu campo de visão original – uma zona do céu que observou de 2009 a 2013, antes de continuar a estudar muitas outras regiões -, esta análise rigorosa descobriu um dos análogos da Terra mais únicos até agora.

Um possível terceiro planeta

Kepler-1649c não é apenas uma das melhores correspondências com a Terra em termos de tamanho e energia que recebe da sua estrela, mas fornece uma visão totalmente nova do seu sistema. Por cada nove vezes que o planeta interior orbita a sua estrela hospedeira, o planeta exterior orbita quase exatamente quatro vezes. O facto das suas órbitas coincidirem numa proporção tão estável indica que o próprio sistema é extremamente estável, e provavelmente sobreviverá por muito tempo.

As relações quase perfeitas entre os períodos são frequentemente provocadas por um fenómeno chamado ressonância orbital, mas uma relação de 9:4 é relativamente única entre os sistemas planetários. Normalmente, as ressonâncias assumem proporções como 2:1 ou 3:2. Embora não confirmada, a raridade desta proporção pode sugerir a presença de um planeta do meio com o qual o planeta interior e o planeta exterior orbitam em sincronicidade, criando um par de ressonâncias 3:2.

A equipa procurou evidências de um terceiro planeta tão misterioso, sem resultados. No entanto, isso pode ser porque o planeta é demasiado pequeno para ser observado ou está inclinado orbitalmente de tal maneira que torna impossível encontrá-lo usando o método de trânsito do Kepler.

De qualquer forma, este sistema fornece mais um exemplo de um planeta do tamanho da Terra na zona habitável de uma estrela anã vermelha. Estas estrelas pequenas e ténues requerem que os planetas orbitem extremamente perto nessa zona – não muito quente nem muito frio – para a vida como a conhecemos potencialmente existir.

Embora este exemplo único seja apenas um entre muitos, existem evidências crescentes de que tais planetas são comuns em torno de anãs vermelhas.

“Quanto mais dados obtivermos, mais sinais podemos ver que apontam para a noção de que os exoplanetas potencialmente habitáveis e do tamanho da Terra são comuns em torno deste tipo de estrelas,” disse Vanderburg.

“Com as anãs vermelhas em quase toda a parte da nossa Galáxia, e estes pequenos planetas rochosos potencialmente habitáveis em seu redor, a chance de um deles não ser muito diferente da nossa Terra parece um pouco mais favorável.”

As missões como da do Kepler e do TESS ajudam a contribuir para o campo da astrobiologia, a investigação interdisciplinar de como as variáveis e as condições ambientais de mundos distantes podem abrigar vida como a conhecemos, ou de qualquer outra forma que a vida possa assumir.

Os resultados da investigação foram recentemente publicados na revista científica especializada The Astrophysical Journal Letters.

// CCVAlg

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