Trabalhadores portugueses recrutados para trabalhar num hotel no Luxemburgo queixam-se de exploração, de trabalhar 90 horas semanais, dormirem num sótão sem condições e coação por parte de uma portuguesa que gere o estabelecimento, a qual nega qualquer irregularidade.
João (nome fictício) contou à Lusa que chegou em julho ao Luxemburgo, no seguimento de um anúncio que viu na net para ajudante de cozinha, num hotel em Vianden. Ofereciam um salário mensal bruto de 1.800 euros, refeições e alojamento e cinco dias em Portugal por cada seis semanas de trabalho, com o custo do voo a cargo do hotel. Além do trabalho no hotel, os portugueses também trabalhavam num restaurante do mesmo grupo empresarial e num serviço de sushi.
“Chegávamos a trabalhar 90 horas semanais“, disse este português que, com 33 anos, lamenta a forma como outros portugueses, com menos idade e experiência, são tratados. Um desses “miúdos”, contou, esteve a trabalhar doente na cozinha do restaurante, com febre e quase sem conseguir abrir os olhos.
“A ameaça era permanente. Tínhamos de trabalhar o que nos exigiam, pois diziam que se não o fizéssemos não iríamos receber o ordenado“. João descobriu que, ao contrário do que lhe disseram, não estava inscrito na segurança social.
As condições de alojamento eram “péssimas”. Apesar do aspeto quase acético do hotel, uma porta para o sótão esconde um cenário bem diferente. Precisamente por este espaço não poder ser considerado alojamento, o registo dos trabalhadores não foi aceite, privando-os de benefícios, como na área da saúde, denunciou. As queixas estendem-se a alegados incumprimentos nos pagamentos, a começar pelas viagens que “nunca foram pagas”.
Ao fim de mais de um mês sem receber, João chamou a polícia, mas por não ter a chave do sótão onde dormia, não conseguiu provar que ali vivia, apesar de ainda lá ter as suas roupas. João queixa-se de dores no corpo e garante que não dorme nem come convenientemente desde que chegou ao Luxemburgo. Ainda tentou contestar a “pressão psicológica”, mas foi esmagado pelas ameaças e o medo de não ser pago, como acabou por acontecer.
Luís (nome fictício) cruzou-se com João e, tal como ele, não aguentou a dureza e a duração do trabalho, tendo acabado por sair mais cedo. Garante que trabalhava no mínimo 12 a 13 horas por dia, tinha de comer as refeições em meia hora e que nunca recebeu o número de folgas prometidas e muito menos qualquer pagamento pelas horas extraordinárias.
“Diziam que, como nos davam alojamento e alimentação, tínhamos de trabalhar todas aquelas horas para compensar”, adiantou, afirmando que os quartos que dividiam pareciam tudo menos uma casa.
Quando se apercebeu que o pagamento estava a demorar cada vez mais, Luís recebeu um mês de ordenado e decidiu voltar a Portugal, onde já se encontra, apesar de ainda ter dinheiro para receber.
Estas condições são conhecidas de Rafael (nome fictício) que no ano passado rumou ao Luxemburgo para os 1.800 euros oferecidos em troca de trabalhar neste hotel.
Na altura, apercebeu-se que existiam algumas irregularidades com os contratos relacionados com os alojamentos, fundamentais para os registos dos trabalhadores. “A Comuna não reconhecia aqueles quartos como alojamento, além de que já eram muitos os trabalhadores que tinham sido registados como vivendo naquele sótão”, disse.
As condições em que os trabalhadores dormiam eram “muito más”, afirmou. “Parecia um pombal onde se estendia a roupa e se acumulava roupa e louça do hotel e cadeiras da esplanada que não eram usadas”, acrescentou, classificando o tempo de descanso de “muito pouco”.
Rafael também regressou mais cedo a Portugal. Já tinha trabalhado em outros locais no estrangeiro e não se sentia bem naquele espaço. Por isso, não ficou surpreendido quando soube que esta falta de condições ainda prossegue.
A pessoa que recebe os trabalhadores portuguesas é uma cidadã portuguesa que vive no Luxemburgo. A Lusa confrontou-a a partir de Lisboa, tendo a “dona Augusta”, como é conhecida, negado qualquer irregularidade. “Sou portuguesa, não exploro ninguém e muito menos portugueses”, disse a funcionária do hotel, sobre quem caem as acusações de pressão psicológica. E acusa: “Têm tudo de graça – comida, alojamento e um ordenado de 2.400 euros – mas não querem trabalhar. Que culpa tenho eu de que não queiram trabalhar?”.
Nega que o alojamento não tenha condições e diz que os trabalhadores têm um quarto individual e que alguns nem sequer chegam a trabalhar oito horas diárias, quanto mais 12 ou 13.
A Lusa contactou ainda outros portugueses que têm acompanhado a situação destes trabalhadores e que classificam de “muito grave” a forma como alegadamente são obrigados a trabalhar e como terão sido enganados.
// Lusa