O Ministério Público pediu nesta segunda-feira que o processo ‘e-toupeira’ siga para julgamento “nos exatos termos da acusação”, reiterando que Luís Filipe Vieira tinha conhecimento das contrapartidas entregues por Paulo Gonçalves aos funcionários judiciais, a troco de informações sobre inquéritos.
No debate instrutório, no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa, o procurador Válter Alves reiterou a tese de uma “teia de interesses e de contrapartidas que havia entre os arguidos”, descrita na acusação do MP, acrescentando que a fase de instrução serviu, essencialmente, “para demonstrar a hipotética normalidade das ofertas”.
A prova produzida em sede de instrução “não permitiu afastar a indiciação que resultava já do inquérito”, sustentou o procurador, responsável pela acusação deste processo.
A instrução, fase facultativa, que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue para julgamento, requerida pelos quatro arguidos, incluindo a SAD do Benfica, teve início em 14 de novembro.
Para o procurador do MP, Luís Filipe Vieira tinha conhecimento dos pedidos de convites e das camisolas do clube e se prova, como descreve a acusação, através da troca de emails entre o antigo assessor jurídico da SAD [Sociedade Anónima Desportiva] do Benfica Paulo Gonçalves e o presidente da SAD do Benfica.
Válter Alves destacou que a justificação da SAD do Benfica para a atribuição de ofertas e de bilhetes era o uso do “bom senso, atirando tudo para a regra do bom senso”. O procurador defendeu que “o bom senso não é regra, é um princípio ético” e, neste processo, representa a “desregulação” com a “oportuna ausência” de regras da SAD do Benfica..
Para o MP, o antigo assessor jurídico da SAD benfiquista esteve “presente na maioria das reuniões do conselho de administração da SAD”, sublinhando que Paulo Gonçalves sempre se manteve próximo “da liderança e das tomadas de decisões da SAD”, além de o arguido manter uma relação “muito próxima” com o presidente do clube Luís Filipe Vieira.
“[Ofertas de merchandising e os convites] não foram entregues por amizade, foram entregues pelas razões que estão descritas na acusação do Ministério Público. Não é crime ter amigos, é crime ter praticado os factos descritos na acusação, sendo amigos ou não”, frisou o procurador. Para o MP, os funcionários judiciais Júlio Loureiro e José Silva viviam “destes favorezinhos” para terem “um ‘status’”.
Segundo o procurador, Paulo Gonçalves não conseguiu justificar os pedidos, as cedências de convites, as conversas com José Silva, o facto de ter na sua posse o histórico de um inquérito judicial, ou o currículo do sobrinho de José Silva, alegadamente em troca de favores do oficial de justiça.
A acusação defende que a versão de Paulo Gonçalves apresentada na fase de instrução foi “pouco credível”, com ideias “vagas e incoerentes”, entrando em várias vezes em contradição.
Para o procurador, num caso de corrupção “dificilmente haverá prova tão vasta e cristalina” como no E-Toupeira e defende que Júlio Loureiro e José Silva aceitaram as ofertas de Paulo Gonçalves, a troco e como recompensa pelas informações prestadas pelos dois funcionários judiciais.
“Só não há prova direta do acordo. O acordo retira-se dos atos que as pessoas praticam. O acordo é lógico e prova-se através dos factos descritos. Ninguém em momento algum recusou: nem Paulo Gonçalves recusou as informações, nem Júlio Loureiro nem José Silva recusaram as ofertas”, vincou o procurador.
O advogado do Sporting, clube que se constituiu assistente no processo, subscreveu as alegações do Ministério Público e defendeu que os quatro arguidos sejam pronunciados (levados a julgamento) pelos factos descritos no despacho de acusação.
“Revejo-me, integralmente, nas alegações do procurador do Ministério Público. Esta fase de instrução serviu, ainda mais, para reforçar os indícios da acusação quanto à corrupção e [para] reforçar, ainda mais, a tese da pronúncia da acusação”, sublinhou Miguel Coutinho, perante a juíza de instrução criminal Ana Peres.
Segundo a acusação do MP, Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD, e no interesse da sociedade, solicitou a funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e ‘merchandising’.
A acusação do MP considera que o presidente da Benfica SAD, Luís Filipe Vieira, teve conhecimento e autorizou a entrega de benefícios aos dois funcionários judiciais, por parte de Paulo Gonçalves, a troco de informações sobre processos em segredo de justiça, envolvendo o Benfica, mas também clubes rivais.
A sessão da leitura da decisão instrutória, na qual os quatro arguidos vão saber se vão e em que termos a julgamento, está marcada para as 14:00 no TCIC, em Lisboa, depois de nesta segunda-feira ter decorrido o debate instrutório.
SAD aponta “falta de indícios”
A defesa da SAD do Benfica no processo ‘e-toupeira’ disse que a fase de instrução reforçou a falta de indícios já verificada no inquérito, razão pela qual pediu que a sua constituinte não seja levada a julgamento.
Rui Patrício, um dos advogados da SAD ‘encarnada’, iniciou as suas conclusões no debate instrutório remetendo para as 137 páginas do requerimento de abertura de instrução, no qual tenta demonstrar que já na fase de inquérito não resultavam indícios dos factos imputados à SAD, acrescentando que a “prova produzida na instrução logrou reforçar os indícios (falta de indícios do inquérito)”.
O advogado defendeu que TCIC só pode proferir despacho de não pronúncia (decisão de não levar a SAD do Benfica a julgamento) quanto aos 30 crimes que lhes estão imputados na acusação do MP, considerando a mesma “frágil, curta, contraditória, sem factos, sem provas, um conjunto de conclusões e ideias genéricas”.
Em relação a Paulo Gonçalves a defesa da ‘encarnada’ reiterou nada saber sobre os factos ou os crimes que lhes estão imputados, nomeadamente que este ex-responsável entregava bilhetes e merchandising do clube aos oficiais de justiça Júlio Loureiro e José Silva, a troco de informações sobre processos.
“Já toda a gente percebeu que o doutor Paulo Gonçalves tinha um papel importante no clube. Era o assessor jurídico do presidente para o futebol”, assumiu Rui Patrício, ressalvando, contudo, que o antigo assessor jurídico do clube “não ocupava cargo em nenhum órgão social” nem tinha “uma posição de liderança” dentro da SAD.
“Se o doutor Paulo Gonçalves fez algo de ilícito, não sei se fez, isso não é imputável à pessoa coletiva. Não há nenhuma evidência de que a Benfica SAD soubesse”, sustentou Rui Patrício, perante a juíza de instrução criminal Ana Peres.
Outro dos pontos da acusação que o advogado rebateu foi o facto de o procurador do MP referir na acusação que o presidente do clube Luís Filipe Vieira tinha conhecimento da entrega de bilhetes. Rui Patrício afirmou que a acusação “confunde” o saber que se dava convites com o objetivo com que esses convites eram oferecidos.
O advogado da SAD recordou que há apenas “um ou outro ‘ok’ do presidente para obtenção dos convites”, sublinhando que acontecia “no próprio dia do jogo” para “agilizar”.
A SAD do Benfica está acusada de 30 crimes e Paulo Gonçalves de 79 crimes. O MP acusou a SAD do Benfica de um crime de corrupção ativa, de um crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem e de 29 crimes de falsidade informática.
ZAP // Lusa