Portugal tem falta de uma estratégia concertada para a ciência, a inovação e o ensino superior, que se reflete em “medidas inconsistentes”, conclui um relatório preliminar da OCDE.
Portugal tem “uma longa tradição” em separar e diferenciar as políticas para a ciência e o ensino superior e o apoio à transferência do conhecimento para as empresas. O país precisa de investir em ciência e ensino superior “a um nível que nunca atingiu até agora”.
Este é o alerta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que, pela primeira vez desde 2006, voltou a avaliar o setor em 2017, a pedido do Governo. A organização refere que “a situação conduz a uma duplicação de esforços, a medidas inconsistentes e a distintas fontes de financiamento”.
Na falta de uma estratégia concertada, os peritos da OCDE defendem uma Estratégia Nacional para o Conhecimento e a Inovação, com orientações claras, de longo prazo, para o ensino superior, a ciência e a inovação.
O financiamento deve ser previsível e definido para um horizonte de curto a médio prazo, em termos de quadros plurianuais revistos de quatro a cinco anos.
A Estratégia Nacional para o Conhecimento e a Inovação deverá servir de base para uma “nova geração” de programas de apoio à competitividade e ao “capital humano”, suportados por fundos europeus para o período 2021-2028, e envolver os ministros da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, da Educação, da Economia e das Finanças.
Apesar do aumento da participação das empresas portuguesas em programas de apoio à inovação, o registo de patentes nacionais continua abaixo da média da OCDE. O apoio do Estado a projetos inovadores deve ser mais sistematizado, embora enaltecendo os incentivos fiscais concedidos às empresas que investem em atividades de investigação.
O relatório final da OCDE sobre o estado do sistema científico, de ensino superior e inovação em Portugal será publicado na primavera.
Doutorados a menos
O país continua a ter doutorados a menos, sobretudo nas empresas, e em situação laboral precária. Além disso, desperdiça dinheiros públicos escassos ao financiar bolsas de doutoramento sem priorizar áreas de investigação onde essa formação faz falta.
Após um interregno de dez anos, a avaliação da OCDE alerta para a taxa baixa de pessoas com doutoramento concluído, quando comparada com a da Alemanha, Suíça ou Reino Unido. É nas universidades que os doutorados estão mais concentrados, em atividades de investigação ou docência, e não nas empresas.
Para atenuar este cenário, a OCDE considera que a Fundação para a Ciência e Tecnologia deve incentivar a realização de doutoramentos em empresas e em instituições não-académicas através dos seus programas doutorais e das bolsas de doutoramento.
Apesar do número de pós-doutorados em situação laboral precária, a organização elogia a legislação de estímulo ao emprego científico, que prevê a contratação de doutorados por um prazo máximo de seis anos, findo o qual podem entrar na carreira docente ou de investigador.
Os avaliadores alertam para o “uso ineficaz de recursos escassos”, sustentando que o financiamento da FCT – principal entidade na dependência do Governo que subsidia a ciência em Portugal – para bolsas de doutoramento não é direcionado para áreas de investigação.
“À luz de um mercado de trabalho competitivo”, o financiamento de “doutoramentos em áreas onde existe pouca procura de graduados” traduz-se num “mau uso de dinheiros públicos” e “encoraja as pessoas a prosseguirem um modelo de formação e carreira que as desvia de opções mais produtivas”.
A OCDE recomenda ainda que seja dada mais autonomia às unidades de investigação para que possam “selecionar e financiar” os candidatos a bolsas de doutoramento de acordo com as suas necessidades.
Na sua análise, a organização internacional considera “particularmente problemática” a falta de informação sobre os doutorados portugueses que trabalham no estrangeiro, propondo o seu registo numa base de dados.
ZAP // Lusa