Cientistas encontraram num meteorito indícios de que um elemento raro, o cúrio, estava presente durante a formação do Sistema Solar.
A descoberta termina um debate de 35 anos sobre a possível presença do cúrio no início do Sistema Solar, e desempenha um papel crucial na reavaliação dos modelos de evolução estelar e de síntese de elementos nas estrelas.
Os detalhes da descoberta aparecem na edição de 4 de março da Science Advances.
“O cúrio é um elemento elusivo. É um dos elementos mais pesados conhecidos, mas não ocorre naturalmente porque todos os seus isótopos são radioativos e decaem rapidamente numa escala de tempo geológico”, afirma François Tissot, autor principal do estudo e investigador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
Tissot e os coautores Nicolas Dauphas e Lawrence Grossman, da Universidade de Chicago, encontraram indícios de cúrio numa inclusão cerâmica invulgar a que chamam “Marie Curiosa”, retirada de um meteorito carbonáceo. O cúrio tornou-se incorporado na inclusão quando se condensou a partir da nuvem gasosa que formou o Sol no início do Sistema Solar.
Marie Curiosa e o cúrio têm o nome de Marie Curie, cujo trabalho pioneiro estabeleceu as bases da teoria da radioatividade. O cúrio só foi descoberto em 1944, por Glenn Seaborg e colaboradores na Universidade da Califórnia, Berkeley, que bombardearam átomos de plutónio com partículas alfa (átomos de hélio) para sintetizar um novo elemento muito radioativo.
Para identificar quimicamente este novo elemento, Seaborg e os seus colaboradores estudaram a energia das partículas emitidas durante o seu decaimento no Laboratório de Metalurgia da Universidade de Chicago (que mais tarde se tornou no Laboratório Nacional Argonne). O isótopo que sintetizaram era o muito instável cúrio-242, que se decompõe numa vida média de 162 dias.
Na Terra, hoje, o cúrio só existe quando fabricado em laboratórios ou como subproduto de explosões nucleares. O cúrio pode ter estado presente no início do Sistema Solar como produto de explosões estelares massivas que tiveram lugar antes do nascimento do Sistema Solar.
“A possível presença do cúrio no início do Sistema Solar tem sido emocionante para os cosmoquímicos, porque muitas vezes eles podem usar elementos radioativos como cronómetros para datar as idades relativas dos meteoritos e planetas,” afirma Dauphas, professor de Ciências Geofísicas.
O isótopo de cúrio com vida mais longa (Cm-247) decai, ao longo do tempo, para um isótopo de urânio (U-235). Portanto, um mineral ou rocha formada no início do Sistema Solar teria incorporado mais Cm-247 do que um mineral ou rocha formada mais tarde, depois de Cm-247 ter decaído. Se os cientistas analisassem estes dois minerais hipotéticos hoje, iriam descobrir que o mineral mais antigo contém mais U-235 (o produto de decaimento de Cm-247) do que o mineral mais jovem.
“A ideia é bastante simples, mas, durante quase 35 anos, os cientistas têm debatido acerca da presença de Cm-247 no início do Sistema Solar,” acrescenta Tissot.
Os primeiros estudos, na década de 1980, encontraram grandes excessos de U-235 em todas as inclusões meteoríticas que analisaram, e concluíram que o cúrio era muito abundante durante a formação do Sistema Solar. Experiências mais refinadas levadas a cabo por James Chen e Gerald Wasserburg, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, mostraram que estes resultados iniciais eram falsos, e que se o cúrio estava realmente presente no início do Sistema Solar, a sua abundância era tão baixa que os instrumentos topo-de-gama seriam incapazes de o detetar.
Os cientistas tiveram que esperar até 2010, quando foi desenvolvido um novo espectrómetro de massa de alto desempenho, para identificar, com sucesso, que os pequenos excessos de U-235 podiam ser a prova cabal para a presença de Cm-247 no início do Sistema Solar.
“Foi um passo importante, mas o problema é que esses excessos eram tão pequenos que podiam ter sido produzidos por outros processos,” explica Tissot.
Os modelos preveem que o cúrio, se presente, estava em baixa abundância no início do Sistema Solar. Portanto, o excesso de U-235 produzido pelo decaimento de Cm-247 não pode ser visto em minerais ou inclusões que contêm quantidades grandes ou até quantidades médias de urânio natural. Um dos desafios foi, assim, encontrar um mineral ou uma inclusão que, provavelmente, tenha incorporado muito cúrio, mas contendo pouco urânio.
Com a ajuda de Grossman, a equipa foi capaz de identificar um tipo específico de inclusão meteorítica rica em cálcio e alumínio. Sabe-se que estas inclusões ricas em cálcio e alumínio têm uma baixa abundância de urânio e provavelmente uma alta abundância de cúrio. Uma destas inclusões – Marie Curiosa – continha uma quantidade extremamente baixa de urânio.
“É nesta mesma amostra que fomos capazes de resolver um excesso sem precedentes de U-235,” afirma Tissot. “Todas as amostras naturais têm uma composição isotópica semelhante de urânio, mas o urânio na amostra Marie Curiosa tem 6% mais U-235 – uma descoberta que só pode ser explicada pela presença de Cm-247 no início do Sistema Solar.”
Graças a esta amostra, a equipa de investigação foi capaz de calcular a quantidade de cúrio presente no início do Sistema Solar e compará-la com outros elementos radioativos pesados, como o iodo-129 e o plutónio-244. Eles descobriram que todos estes isótopos podem ter sido produzidos em conjunto por um único processo nas estrelas.
“Isto é particularmente importante porque indica que, à medida que gerações sucessivas de estrelas morrem e expelem os elementos que produziram para a Galáxia, os elementos mais pesados são produzidos juntos, enquanto os trabalhos anteriores haviam sugerido que este não era o caso,” explicou Dauphas.
A descoberta da ocorrência natural de cúrio fecha o ciclo aberto há 70 anos atrás pela descoberta de cúrio sintético, e fornece uma nova restrição, que os modeladores podem agora incorporar nos modelos complexos da nucleossíntese estelar e da evolução química galáctica para melhor compreender como elementos como o ouro foram produzidos nas estrelas.