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Um mágico acabou de criar um truque de magia para pessoas cegas

Ed Brims / YouTube

Mágicos de todo o mundo foram desafiados a criar um truque que não dependesse da visão, do tato, do olfato ou do paladar. O resultado? Teletransporte auditivo.

Tirar um coelho de uma cartola. Teletransporte de uma gaiola para outra. Encontrar uma moeda atrás da orelha de uma criança de cinco anos.

A magia há muito que inspira um sentimento de admiração e maravilha, mas uma parte da população tem sido deixada de fora da diversão: as pessoas cegas.

Pensemo nisso. O “oooh” quando o coelhinho aparece da cartola. O suspiro quando alguém que pensávamos estar enjaulado num lado do palco aparece de repente dentro de outra jaula do outro lado.

A única razão pela qual estes truques funcionam é porque enganam os nossos olhos para que vejam algo que, há apenas alguns segundos, parecia impossível. Para que uma pessoa cega pudesse apreciar qualquer um destes truques, os mágicos teriam de os reinventar completamente.

E agora, alguém o fez, conta a Fast Company.

Em novembro, dezenas de mágicos de todo o mundo reuniram-se em Las Vegas para uma conferência da Associação de Ciência da Magia.

Durante a conferência, o MAGIC Lab, um grupo de investigação da Escola de Psicologia da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, anunciou os vencedores de um concurso chamado Auditory Magic Challenge.

Alguns meses antes, o MAGIC Lab tinha enviado um convite à apresentação de truques de magia que não dependessem da visão, do tato, do olfato ou do paladar, mas que evocassem o espanto apenas através do som. Nada de pistas verbais. Nada de truques de mentalismo.

Um total de 11 mágicos da Europa, Índia, Japão e Estados Unidos apresentaram truques, mas apenas um se destacou pela sua surpreendente ilusão auditiva.

Neste truque, que pode ser melhor descrito como um teletransporte auditivo, o mágico parece mover-se magicamente de um canto da sala para outro, usando apenas o som para enganar o público.

Três mágicos apresentaram truques semelhantes, pelo que o júri, composto por mágicos, académicos e pessoas cegas, decidiu premiar os três.

Por enquanto, não há planos para realizar os truques de magia em frente a um público, mas o concurso prova que é possível criar uma experiência de magia inclusiva que todos possam desfrutar.

A anatomia de um truque de magia

Quem viu o filme de 2006 de Christopher Nolan, The Prestige, onde Hugh Jackman e Christian Bale contracenam como mágicos rivais na Londres do início do século XX, pode ter aprendido que cada truque de magia é composto por três partes: a promessa, a viragem e o prestígio.

Estes termos são práticas fictícias de ilusões de palco, provavelmente invenção de Nolan e não utilizadas por mágicos da vida real, mas são úteis para compreender a estrutura de um truque de magia.

Por exemplo, o mágico primeiro mostra algo comum, como uma pomba ou um baralho de cartas. Em segundo lugar, o ilusionista faz com que esse objeto faça algo extraordinário: a pomba desaparece. Finalmente, faz o impensável: a pomba reaparece.

Esta estrutura é fundamental para um truque de magia bem sucedido, mas não tem de envolver pistas visuais.

“Penso na magia como um conflito de crenças entre as coisas que acreditamos serem possíveis e as coisas que acreditamos ter experimentado”, diz Gustav Kuhn, professor associado de psicologia na Universidade de Plymouth e diretor do MAGIC Lab, que estuda o comportamento humano e a cognição através da magia.

“A visão é importante em termos de estabelecer o que acreditamos ser verdade, mas não tem de ser o caso”, detalha Kuhn.

Kuhn era um mágico antes de ser um académico. Nas suas duas décadas de investigação, Kuhn diz que não encontrou truques de magia que dependam de pistas auditivas.

“Em princípio, a magia não depende da visão, mas é incrivelmente difícil produzir um truque de magia que dependa apenas da perceção auditiva”, afirma. “As ilusões auditivas existem, mas foram manipuladas num truque, o que é realmente excitante.”

O cone da confusão

O truque vencedor baseia-se num fenómeno auditivo psicológico conhecido como “cone da confusão“, em que uma pessoa não consegue determinar a localização exata do som que está a ouvir.

Se já deu por si ao volante, procurando nervosamente a sirene de uma ambulância para saber se deve encostar ou não, então já experimentou o cone da confusão.

Mas isso, por si só, não é um truque de magia.

Para que uma ilusão conte como um truque de magia, os mágicos têm de criar aquilo a que Kuhn chama “a ilusão da impossibilidade“. Não pode ser! é o que o público precisa de sentir para que uma mera ilusão auditiva se transforme num truque de magia.

Ed Brims, que realizou um dos truques de magia vencedores, transformou o cone da confusão num truque de magia ao simular um teletransporte auditivo para o seu filho de 10 anos, Felix, que estava sentado no meio de uma sala, com uma venda nos olhos.

No início, Brims faz círculos em torno de Félix enquanto faz tilintar uma colher numa garrafa de vidro. Pede-se a Félix que indique de onde vem o som. Depois, Brims cala-se e volta a fazer círculos em torno de Félix, fazendo tilintar a garrafa enquanto pisa levemente um chão alcatifado.

Quando está atrás de Félix, faz um toque na garrafa e Félix aponta para trás. Toca novamente quando está à frente, e Félix continua a apontar para trás. Brims revela então a sua verdadeira posição ao proferir um “fwoomph” que dá ao filho a ilusão de que o pai acabou de se teletransportar de trás dele.

O som “fwoomph” é crucial, diz-me Brims, porque garante que o truque de magia se mantém inclusivo até ao fim.

No vídeo, Felix pode ser visto a retirar a venda para se certificar de que o pai está de facto onde disse que estava, mas o som “fwoomph”, que é diferente do tilintar, garante que as pessoas cegas possam compreender a revelação sem terem de confiar na visão.

Brims está bem consciente das necessidades das pessoas com baixa visão. Há vários anos, antes de trabalhar como engenheiro de software para a Bloomberg, em Londres, trabalhou na Google, experimentando formas de transformar gráficos de barras em música e ajudando a tornar a “leitura” de gráficos muito mais cativante do que ouvir uma voz a transmitir os números.

Conta que o mágico brasileiro Antonio Bourgeois lhe apresentou o fenómeno do “cone da confusão” numa convenção de magia em 2022. Na altura, Brims não sabia como transformá-lo num truque de magia, mas quando ouviu falar deste concurso, começou a brincar com a ideia — e chegou ao truque do teletransporte auditivo.

A equipa de Gustav Kuhn está agora a planear uma segunda competição, que alargará um pouco o âmbito, para a qual irá convidar os mágicos a apresentar truques que envolvam outros sentidos para além da visão — e talvez também um pouco de linguagem.

ZAP //

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