Os buracos negros são como bebés temperamentais. Estão sempre a entornar comida, mas o XMM-Newton da ESA apanhou um buraco negro no ato de “virar a mesa” durante uma refeição civilizada.
Este ato impede que a galáxia que rodeia o buraco negro forme novas estrelas, dando-nos novas informações de como os buracos negros e as galáxias coevoluem.
No centro de todas as grandes galáxias existe um buraco negro supermassivo, cuja imensa gravidade atrai o gás dos seus arredores.
À medida que o gás espirala para o interior, agrupa-se num “disco de acreção” achatado à volta do buraco negro, onde aquece e se ilumina. Com o tempo, o gás mais perto do buraco negro passa o ponto de não retorno e é devorado.
No entanto, os buracos negros apenas consomem uma fração do gás que espirala na sua direção. Enquanto orbita um buraco negro, alguma matéria é atirada para o espaço, tal como um bebé entorna muito do que está no seu prato.
Em episódios mais dramáticos, um buraco negro “parte a loiça toda”: o gás no disco de acreção é lançado em todas as direções a uma velocidade tão elevada que elimina o gás interestelar circundante.
Isto não só priva o buraco negro de alimento, como também significa que não se podem formar novas estrelas numa vasta região, alterando a estrutura da galáxia.
Até agora, este ultrarrápido “vento de buraco negro” só tinha sido detetado a partir de discos de acreção extremamente brilhantes, que estão no limite da quantidade de matéria que conseguem atrair.
Desta vez, o XMM-Newton detetou ventos ultrarrápidos numa galáxia claramente mediana, que se pode dizer que estava “apenas a petiscar”.
“É de esperar ventos muito rápidos se uma ventoinha estiver ligada no máximo. Na galáxia que estudámos, chamada Markarian 817, a ventoinha estava ligada a uma potência mais baixa, mas mesmo assim foram gerados ventos incrivelmente energéticos”, comenta Miranda Zak , investigadora da Universidade do Michigan, que desempenhou um papel central nesta investigação.
“É muito raro observar ventos ultrarrápidos, e ainda menos comum detetar ventos com energia suficiente para alterar o carácter da sua galáxia hospedeira”, explica Elias Kammoun, astrónomo da Universidade de Roma III, Itália, e co-autor do artigo publicado na The Astrophysical Journal Letters.
“O facto de Markarian 817 ter produzido estes ventos durante cerca de um ano, sem estar num estado particularmente ativo, sugere que os buracos negros podem remodelar as suas galáxias hospedeiras muito mais do que se pensava”, acrescenta Kammoun.
Raios X bloqueados pelo vento
Os centros galácticos ativos emitem normalmente luz altamente energética, incluindo raios X. Markarian 817 chamou a atenção dos investigadores porque ficou bastante silenciosa.
“O sinal de raios X era tão fraco que eu estava convencida de que estava a fazer algo errado!“, conta Miranda Zak, depois de ter observado a galáxia com o observatório Swift.
Observações posteriores, utilizando o mais sensível telescópio de raios X da ESA, o XMM-Newton, revelaram o que estava realmente a acontecer: ventos ultrarrápidos oriundos do disco de acreção estavam a agir como um manto, bloqueando os raios X enviados pela vizinhança imediata do buraco negro (chamada coroa).
Estas medições foram apoiadas por observações efetuadas com o telescópio NuSTAR da NASA.
Uma análise detalhada das medições de raios-X mostrou que, longe de emitir uma única “baforada” de gás, o centro de Markarian 817 produziu uma “tempestade” numa vasta área do disco de acreção.
O vento durou várias centenas de dias e consistia em pelo menos três componentes distintos, cada um movendo-se a vários pontos percentuais da velocidade da luz.
Isto resolve um enigma em aberto na nossa compreensão de como os buracos negros e as galáxias que os rodeiam se influenciam mutuamente.
Há muitas galáxias – incluindo a Via Láctea – que parecem ter grandes regiões à volta dos seus centros nas quais se formam muito poucas estrelas novas.
Isto poderia ser explicado por ventos de buracos negros que eliminam o gás necessário para a formação estelar, mas isto só funciona se os ventos forem suficientemente rápidos, sustentados durante tempo suficiente e gerados por buracos negros com níveis típicos de atividade.
“Muitos dos problemas pendentes no estudo dos buracos negros são uma questão de conseguir deteções através de observações longas que se estendem por muitas horas para captar eventos importantes. Este facto realça a grande importância da missão XMM-Newton para o futuro”, diz Norbert Schartel, cientista do projeto XMM-Newton da ESA.
“Nenhuma outra missão pode fornecer a combinação da sua alta sensibilidade com a sua capacidade de fazer observações longas e ininterruptas”, conclui Schartel.
// CCVAlg