A anemia falciforme pode não ser tão conhecida como a SIDA, a tuberculose ou a febre amarela, mas afecta milhões de pessoas em todo o mundo.
Segundo a Fundação Sickle Cell Disease, da Califórnia, nos EUA, cerca 250 milhões de pessoas são portadores do gene, que, se herdado de pai e mãe, gera a enfermidade. Cerca de 300 mil crianças nascem todos os anos com anemia falciforme.
Uma das doenças genéticas mais comuns do mundo, a anemia falciforme é caracterizada por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que perdem a forma arredondada e adquirem o aspecto de uma foice.
Esta deformação, que faz com que os glóbulos vermelhos endureçam, dificultando a passagem do sangue pelos vasos e a oxigenação dos tecidos, pode causar dor forte, anemia crónica e prejudicar órgãos vitais.
Um estudo recente conduzido por investigadores do Center for Research on Genomics and Global Health (CRGGH), nos EUA, feito com base na análise do genoma de 3 mil pessoas, liga a anemia falciforme a uma mutação genética que se teria manifestado em uma única criança, há pouco mais de 7 mil anos.
A história da doença é um exemplo de como uma coisa boa acabou por ter péssimas consequências. Há muitos milhares de anos, quando o deserto do Sahara, no norte de África, era ainda uma área húmida e chuvosa, coberta por uma floresta, uma criança nasceu com uma mutação genética que lhe deu imunidade à malária.
A doença era tão mortal há milhares de anos como é hoje: actualmente, a malária mata uma criança a cada dois minutos. Num ambiente que era habitat natural dos mosquitos portadores da doença, a mutação deu grande vantagem à criança, que viveu, cresceu e teve filhos.
Os filhos da criança herdaram a mutação e, graças à imunidade, espalharam-se e reproduziram-se. Até hoje, as pessoas que têm o gene são mais resistentes à malária.
Mas é aqui que entram as más consequências. Se uma pessoa herda o gene com a mutação de ambos os pais, pode acabar por desenvolver anemia falciforme, moléstia que resulta em fortes dores e diversas complicações de saúde, entre os quais problemas pulmonares e cardiovasculares, dores nas articulações e fadiga intensa. Para piorar, quem herda os genes dos dois pais perde a protecção que eles têm contra a malária.
Num estudo publicado a semana passada no American Journal of Human Genetics, os cientistas Daniel Shriner e Charles Rotimi apresentaram a descoberta sobre a origem da doença, feita após uma análise do genoma de cerca de 3 mil pessoas, das quais 156 tinham anemia falciforme.
Ambos são investigadores do CRGGH, entidade ligada ao National Institutes of Health, grupo de centros de pesquisa que formam a agência governamental de pesquisa biomédica do departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
Os cientistas rastrearam a mutação até há 7,3 mil anos atrás e concluíram que ela começou numa única criança.
Este conhecimento pode ajudar a melhorar o tratamento clínico da anemia falciforme, para a qual não há cura. Os portadores precisam de acompanhamento médico constante, para garantir a oxigenação adequada nos tecidos, prevenir infecções e controlar as crises de dor.
As células falciformes foram descobertas pela primeira vez nos Estados Unidos, em pessoas com ascendência africana, mas também são comuns em povos do Mediterrâneo, do Oriente Médio e de partes da Ásia.
A criança que nasceu com sorte há 7.300 anos espalhou os seus genes pelos descendentes no Mundo inteiro – que podem não ter a mesma sorte que o seu antepassado.
ZAP // BBC / The New York Times
Olha como o nosso mundo é sensível. Realmente não sabia que tal mutação poderia desencadear uma doença que afeta milhares de pessoas. Isso mostra a sensibilidade e a fragilidade do homem.
Parabéns pela matéria, muito interessante
7301 anos, mais propriamente. Loll