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O luto oculto da infertilidade secundária. Até que o filho diz: “Vocês são os pais perfeitos”

Não se consegue ficar grávida, ou há uma série de abortos, depois de ter resultado numa primeira tentativa. Um assunto sério.

Muitos leitores (mais do que as leitoras) do ZAP poderão não saber o quer quer dizer “infertilidade secundária“.

A infertilidade secundária decorre quando um casal, depois de uma gravidez normal, não consegue ter um segundo filho. Ou nunca engravidam, ou há aborto(s).

Assume-se que há infertilidade secundária quando passa um ano (ou meio ano, em mulheres com mais de 35 anos) desde o início de relações sexuais sem protecção e, mesmo após esse tempo, a mulher não fica grávida.

Idade avançada e número insuficiente de espermatozóides são os factores associados com mais frequência a este problema.

E esta infertilidade secundária costuma originar um luto oculto, escondido.

Blane Bachelor relata o seu caso no The Cut. O seu filho de 6 anos perguntou-lhe, noutro dia, porque não tem um irmão ou irmã.

Blane contorceu-se um bocado mas tentou responder com sinceridade: “Não é fácil. São precisos muitos médicos, muitos remédios, muito dinheiro, muito tempo. Tentámos várias vezes e não é provável que tenhas um irmão”.

A mãe admitiu ao filho que fica muito triste com este obstáculo – e tem noção de que o seu filho também pode ficar triste.

Tristeza é uma das emoções relacionadas com esta infertilidade secundária. Mas vêm outros: raiva, confusão, ciúme e culpa, por exemplo.

Blane, por exemplo, depois de ter tentado muito, ficou grávida aos 37 anos. Mas a alegria durou pouco: anormalidades fetais, decisão “angustiante” de abortar.

Seguiram-se tentativas frustradas, um filho nascido por fertilização in vitro, depois dois abortos prematuros.

Novas tentativas, novas frustrações, incluindo custos e burocracias pelo meio.

Falar publicamente

Blane Bachelor, que é jornalista para CNN e The New York Times entre outros, aplaude o debate público mais alargado sobre interrupções na gravidez. É uma “mudança necessária” porque é preciso “aumentar a consciencialização” sobre este assunto tabu.

Destaca Meghan Markle, esposa do príncipe Harry, que falou publicamente sobre o seu aborto espontâneo: “Uma dor quase insuportável, vivida por muitos, mas falada por poucos”.

Mas quase ninguém fala sobre as consequências emocionais, psicológicas, para uma mulher que tenta engravidar pela segunda vez e não consegue.

Falta uma figura pública falar publicamente sobre isso, e que ganhe destaque com essa confissão? Para outras mulheres – e homens – seguirem o seu exemplo?

Fala, é julgada

É que Blane não consegue falar sobre o assunto, mesmo com as pessoas mais próximas.

Se o assunto surge ao de leve, numa conversa, sente logo um “julgamento subtil” por parte dos outros, que pensam que ela é “gananciosa e ingrata” – como se não tivesse ficado satisfeita com o primeiro filho.

“É como se a presença de uma criança significasse que não tenho permissão nem para reconhecer o desejo por outra. A empatia parece quase inexistente, tornando esta uma luta amplamente “, confessa.

Por isso, até parou de falar sobre isso. Mesmo com os amigos e familiares mais próximos.

Fartou-se de ouvir as frases: “Já tens um filho lindo”, ou “Vais ficar bem”, ou “Que tal ficares com um dos meus filhos?” – esta em brincadeira.

Ideal vs. real

Numa altura em que a idade e as contas já permitem concluir que não ficará grávida de novo, poderia ter chegado a aceitação. É assim e pronto.

Mas… Quando vê um bebé na rua? Quando vê o filho a ser carinhoso e ternurento com crianças mais novas?

Tenta-se mais uma vez?

No mundo ideal, sim. No mundo real, não. Mais stress, mais dinheiro, riscos para a mulher.

É um “carrossel de emoções” sempre que lhe perguntam se o seu filho é filho único, admite.

Mas poderia haver “mais compaixão pela resposta honesta”: ou seja, ela queria mesmo ter outro filho, mas não consegue.

“O que eu quero é que as pessoas – especialmente aquelas que nunca tiveram problemas para engravidar – apenas ouçam e tentem digerir a enormidade do que estou a passar”, escreve.

Tem noção da gratidão pelo filho que tem, da bênção que isso é, mas podemos estar a celebrar uma coisa e a lamentar outra. No mesmo contexto.

Uma luta, e um luto, que ficou suavizada recentemente, quando o seu único filho lhe disse: “Mãe, vocês são os pais perfeitos para mim”.

ZAP //

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