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Cientistas procuram o local onde começou a Idade do Homem Moderno

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USDoD / Wikimedia

Teste de uma ogiva nuclear francesa no Atol de Bikini, 1946

O nosso planeta tem uma história turbulenta. E, há 252 milhões de anos, houve um episódio especialmente violento: uma erupção vulcânica esteve perto de destruir toda a vida complexa na Terra.

Os geólogos chamam a este incidente a “mãe de todas as extinções“, o evento que marcou a transição de dois importantes capítulos da história do planeta: o fim do período Permiano (Era Paleozóica) e o início do Triássico (Era Mesozóica).

Mas não bastava simplesmente dar um nome ao fenómeno. Os cientistas queriam saber qual era, de facto, o melhor lugar para visualizar as rochas que se formaram no limiar catastrófico da ruptura entre os períodos Permiano e Triássico. Em 2001, após 20 anos de discussões, chegaram a um veredicto.

Um penhasco perto de Meishan, na província chinesa de Zhejiang, oferecia o melhor panorama. E foi escolhido como golden spike, o “ponto dourado” que marca o limite entre tempos geológicos diferentes, da passagem do Permiano ao Triássico, tornando-se um dos 65 locais em todo mundo que simbolizam as transições na escala geológica. Para facilitar a visualização das rochas, as autoridades instalaram uma escada no local.

De acordo com a escala de tempo geológico, vivemos actualmente no Holoceno, iniciado há cerca de 11,5 mil anos. Mas alguns cientistas defendem que o nosso planeta atravessou uma outra fronteira geológica há cerca de 70 anos, dando início ao que chamam de Antropoceno, a era caracterizada pelo impacto da acção humana na Terra.

A questão que assola a cabeça de alguns é qual será o local do planeta que oferece a melhor vista do momento em que o mundo moderno começou? Onde será o golden spike que determina o ponto de ruptura entre o Holoceno e o Antropoceno?

O investigador Colin Waters, do Serviço Geológico Britânico, em Nottingham, no Reino Unido, lidera a equipa que está a avaliar as opções. E, em declarações à BBC, afirma que definir um golden spike para o despertar do Antropoceno impõe desafios inéditos aos geólogos.

Sinais químicos ou biológicos

Muitos golden spikes estão localizados em penhascos, como o que fica perto de Meishan, na China. Mas, no caso do Antropoceno, esta não será uma possibilidade.

Os penhascos rochosos levam dezenas de milhares de anos para se formarem. E, segundo Waters e os seus colegas, o Antropoceno começou há apenas algumas décadas, por volta do ano de 1950, quando a população humana e o seu padrão de consumo aceleraram subitamente. Mas, mesmo descartando os penhascos, não faltam opções.

O início do Antropoceno será, provavelmente, marcado por um sinal químico ou biológico. Ainda não há informação oficial sobre o que este indício pode ser: talvez os cientistas escolham o aumento da radioactividade atmosférica a partir de testes com bombas atómicas, a crescente concentração de microplásticos no meio ambiente ou qualquer outro registo.

Para reconhecer o golden spike, a equipa precisa de encontrar uma localização geográfica onde esse sinal esteja gravado nalgum tipo de material, que estava a acumular-se quando o Antropoceno começou. Esse material poderá ser até o nosso lixo.

E é por isso que um dos locais que os investigadores identificaram como candidato é o aterro sanitário de Fresh Kills, em Staten Island, no distrito de Nova York, nos EUA.

O aterro foi inaugurado em 1948 e chegou a receber, no auge da operação, cerca de 26 mil toneladas de lixo por dia. De acordo com algumas descrições, terá sido o maior depósito do tipo projectado pelo homem em todo o mundo. E certamente seria um bom candidato a golden spike do Antropoceno.

Mas, segundo Waters, os aterros sanitários apresentam sérios problemas. O material presente nos depósitos é constantemente danificado por máquinas, o que faz com que não haja uma camada precisa correspondente a cada ano. A fronteira seria manchada e desfocada e não uma imagem nítida. Este é, na verdade, um problema apresentado pela maioria dos lugares onde o lixo humano é amontoado, refere Waters.

O golden spike do Antropoceno deveria ser um local criado inteiramente pela actividade humana, mas é difícil encontrar uma localização adequada. É por isso que os cientistas estão, agora, à procura em outros lugares.

Sedimentos

De acordo com Waters, pode valer a pena considerar o sedimento acumulado nos estuários, onde as águas do rio e do mar se encontram. Por exemplo, a substância que fica no fundo do Estuário de Clyde, na Escócia, documenta a poluição química dos processos industriais.

Neste caso, o material lodoso não foi provavelmente danificado, ao contrário do lixo num aterro sanitário. Por isso, deve ser possível identificar a fina camada de lodo que foi acumulada em determinado ano. Ou seja, o limite do Antropoceno deve aparecer como uma linha fina, ao invés de um borrão.

Os sedimentos também se acumulam todos os anos no fundo dos lagos e oceanos. O lodo nas profundezas do Lago Crawford, em Ontário, no Canadá, contém um registo anual detalhado da poluição industrial. E, segundo Waters, pode ser outra localização adequada para o golden spike.

Mas esses sedimentos enlameados, particularmente aqueles que se encontram no fundo do oceano, não são exactamente acessíveis. A única maneira de visualizar a fina camada de lodo que marca o início do Antropoceno, há cerca de 70 anos, seria extrair uma amostra do sedimento e estudá-lo em terra firme.

Neste caso, falar é fácil, difícil é colocar a ideia em prática. O sedimento pastoso pode ser remexido durante o processo de extracção, o que significa que o material referente ao limiar pode misturar-se com a lama que está acima e abaixo, manchando o sinal químico que marca a fronteira. “O risco de apresentar um erro é grande”, diz Waters à BBC.

Por estas razões, pode ser melhor colocar o golden spike num local onde o material se acumule de forma mais permanente e em estado sólido.

Bem abaixo de Paris, por exemplo, há uma rede de tubulações em que sedimentos de calcário se foram acumulando, camada por camada, nos últimos 300 anos. Traços de metais, incluindo chumbo e cobre, estão presos nas finas camadas, documentando o crescimento urbano da capital francesa.

Se essas substâncias químicas forem escolhidas para definir o limite do Antropoceno, os calcários parisienses seriam uma excelente localização para o golden spike, refere Waters.

Outra opção – talvez a favorita de Waters até agora – seria um pedaço de coral do mar das Caraíbas. Os corais recebem uma nova camada de sedimentos a cada ano, e as substâncias químicas retidas nessas camadas são evidências de todo o tipo de actividade humana – desde testes de bombas atómicas ao aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera.

Mas, segundo Waters, todos estes candidatos apresentam uma desvantagem significativa. Até hoje, a comunidade geológica nunca atribuiu um golden spike a pontos como estes. “Talvez tenhamos que conversar com as pessoas que vão votar e descobrir o que será mais aceitável para elas”, nota Waters.

Votação

De acordo com Mike Walker, da Universidade de Wales Trinity Saint David, no País de Gales, definir um golden spike não é uma decisão simples.

Há, primeiramente, uma votação entre os cientistas nomeados para explorar a fronteira em questão. Após eles escolherem a sua localização favorita para golden spike, o local deve ser avaliado por uma comissão científica, sob a perspectiva de um período de tempo geologicamente mais amplo.

O Antropoceno tornar-se-ia provavelmente uma época dentro do período Quaternário, onde estamos actualmente. Desta forma, a Subcomissão de Estratigrafia do Quaternário teria que votar se aceita ou não o candidato a golden spike.

Se votarem a favor, a proposta chegará à Comissão Internacional de Estratigrafia, onde acontecerá uma nova votação sobre a adequação do golden spike. Se for aceite, seguirá para a União Internacional de Ciências Geológicas para avaliação final e, com sorte, para ratificação. Só então se tornará oficialmente um golden spike.

Desta forma, talvez não seja surpreendente que Waters e os seus colegas estejam interessados em escolher um candidato que não seja tão estranho aos olhos dos vários organismos envolvidos na votação. “Podemos querer ir para votação com algo com que estejam familiarizados“, diz o investigador.

Waters tem como inspiração Walker e os seus colegas. Em 2008, eles conseguiram persuadir as autoridades a designar o golden spike do Holoceno, que precederá o Antropoceno.

A equipa de Walker argumentou que o golden spike deveria ser colocado dentro de uma amostra extraída da camada de gelo da Gronelândia, agora armazenada numa instalação em Copenhaga, na Dinamarca. Antes disso, nenhum golden spike tinha sido colocado no gelo.

Walker destaca que talvez seja um sinal de que seria prudente colocar o golden spike do Antropoceno também no gelo. Uma amostra da Antárctida Oriental, que regista mudanças químicas atmosféricas ligadas à actividade humana, seria uma opção.

No entanto, mesmo que se encontre um candidato politicamente viável, não é garantido que se consiga aprová-lo. Existe um movimento de oposição na comunidade geológica para reconhecer, até mesmo, a existência do Antropoceno. Walker é um dos antagonistas.

Quando um golden spike é concedido, costuma tornar-se motivo de orgulho para a comunidade local. É certamente o caso do penhasco em Meishan, na província chinesa de Zhejiang.  Waters questiona, no entanto, se um país ou cidade consideraria um privilégio ser reconhecido como golden spike do Antropoceno.

“Pode parecer sugerir que o seu país é o local onde a mudança antropogenética teve maior impacto. Talvez não se veja uma corrida entre países para reivindicar este prémio”, conclui.

ZAP // BBC

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