Um gás estranho e promissor pode ajudar a tratar o Alzheimer

Uma nova pesquisa com ratinhos descobriu que o xénon, um dos seis gases nobres, ajuda a destruir os depósitos de amiloide, uma das proteínas que causa o Alzheimer.

Um gás inerte e não reativo pode não parecer um candidato óbvio para o tratamento da doença de Alzheimer, mas um novo estudo em ratos sugere que o xénon pode ser a descoberta de que precisamos.

O xénon é um dos seis gases nobres. O seu nome deriva da palavra grega para “estranho”. Na medicina, tem sido utilizado como anestésico desde o início dos anos 50 e, mais recentemente, para tratar lesões cerebrais. Está também a ser testado em ensaios clínicos para várias doenças, incluindo a depressão e a perturbação do pânico.

O novo estudo da Universidade de Washington e do Brigham and Women’s Hospital (o hospital universitário da Harvard Medical School), nos EUA, investigou o potencial do xénon para tratar as alterações cerebrais associadas à doença de Alzheimer.

Estas alterações, que podem ser encontradas em todos os cérebros de pessoas com demência, incluem aglomerados das proteínas amiloide e tau. As ligações entre os neurónios, chamadas sinapses, também se perdem na doença de Alzheimer e são estas ligações entre neurónios que nos permitem pensar, sentir, mover e recordar.

Uma última caraterística comum encontrada no cérebro das pessoas com Alzheimer é a inflamação. Esta é a resposta do organismo a uma lesão ou doença e desencadeia a resposta imunitária para curar o tecido danificado.

Normalmente, a inflamação desaparece quando o tecido está curado. Na doença de Alzheimer, a inflamação não desaparece e as respostas imunitárias desencadeadas podem danificar as células cerebrais saudáveis.

Todas estas alterações dão origem aos sintomas da doença de Alzheimer, como a perda de memória, a confusão e as alterações de humor.

Não se sabe o que causa a doença de Alzheimer, mas uma das principais teorias sugere que a acumulação de amiloide desencadeia o processo que dá origem às alterações subsequentes. Por isso, atacar a amiloide parece ser uma abordagem óbvia para tratar a doença.

Há pouco mais de dois anos, ficámos a conhecer o sucesso de um destes tratamentos, chamado lecanemab, no abrandamento da taxa de declínio.

O aumento dos aglomerados de proteínas e a perda de sinapses ocorrem ao longo de décadas, pelo que resta saber se o tratamento direto de uma única proteína (amiloide ou tau) seria capaz de travar a progressão da doença ou de ter um efeito mensurável em todos os danos caraterísticos.

O cérebro tem vários tipos de células que trabalham em conjunto para apoiar a função cerebral. Os neurónios são as células responsáveis por tudo – andar, falar, pensar e respirar. Os astrócitos fornecem energia aos neurónios, bem como apoio estrutural e funções de proteção.

Outras células importantes encontradas no cérebro são as microglias. São células imunitárias que ajudam a eliminar agentes patogénicos e células mortas, entre outras actividades. No entanto, se estiverem demasiado ativas, podem causar inflamação crónica no cérebro.

A micróglia tem diferentes estados, dependendo do ambiente em que se encontra, desde um estado inativo até um estado ativo. A diferença entre estes estados pode ser determinada tanto pela sua aparência como, sobretudo, pelas funções que desempenham. Por exemplo, a microglia ativa pode ajudar a limpar os resíduos acumulados, tais como proteínas indesejadas, células e infecções.

Os cientistas deste último estudo utilizaram ratinhos que apresentam as mesmas alterações cerebrais observadas na doença de Alzheimer para investigar o papel da microglia. Foi identificado um estado ativo específico da microglia que estava associado à inflamação. Os cientistas deram aos ratinhos gás xénon para inalar, o que alterou o estado da sua microglia.

Este estado alterado permitiu que a microglia rodeasse, engolisse e destruísse os depósitos de amiloide. Também alterou a função destas micróglias de modo a que não provocassem mais inflamação.

Os investigadores descobriram também uma redução do número e da dimensão dos depósitos amilóides encontrados. Todas estas alterações estavam associadas ao estado alterado da microglia.

Mas e as outras alterações observadas nos cérebros de pessoas com Alzheimer? O estudo sugere também que a inalação de xénon poderia reduzir o encolhimento do cérebro (uma caraterística comum da doença de Alzheimer) e levar a um aumento do suporte das ligações entre os neurónios. E em todos os ratinhos estudados, os marcadores da resposta inflamatória excessiva foram reduzidos.

Assim, de um modo geral, a investigação sugere que a inalação de xénon faz com que a microglia ativa passe de um estado ativo do tipo da doença de Alzheimer para um estado pré-Alzheimer. Este estado pré-Doença de Alzheimer promove a eliminação dos depósitos de amiloide e reduz os mensageiros celulares que causam inflamação excessiva.

Nova esperança

Não existem medicamentos que tenham como alvo a microglia na doença de Alzheimer e foram feitos progressos na abordagem da acumulação de amiloide. Os medicamentos atuais destinados a reduzir a amiloide no cérebro oferecem uma redução modesta dos depósitos de amiloide e da taxa de declínio.

O tratamento da amiloide melhorará com o tempo, mas e as outras alterações que ocorrem no cérebro, como os depósitos de tau, o encolhimento do cérebro e a perda de sinapses?

A nova investigação abre a possibilidade de se visar um tipo de célula que tem o potencial inato de afetar todos estes danos caraterísticos.

Espera-se que os ensaios clínicos em voluntários saudáveis comecem este ano. Se estas descobertas se mantiverem, o xénon poderá oferecer uma abordagem completamente nova a esta doença que destrói a mente. Seria um tratamento que não visa diretamente a amiloide, mas sim a resposta imunitária do cérebro para contrariar todas as alterações destrutivas da doença. Já aconteceram coisas mais estranhas.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.