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Cientistas “peneiraram” a poeira do Sistema Solar (e encontraram algo novo em Mercúrio)

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NASA’s Goddard Space Flight Center/Mary Pat Hrybyk-Keith

Assim como a poeira se acumula nos cantos e nas estantes das nossas casas, a poeira também se acumula no espaço. Mas quando a poeira assenta no Sistema Solar, é muitas vezes em anéis.

Existem vários anéis de poeira em torno do Sol. Os anéis traçam as órbitas dos planetas, cuja gravidade puxa a poeira para o espaço em redor do Sol, à medida que se desloca a caminho do centro do Sistema Solar.

A poeira consiste de remanescentes esmagados da formação do Sistema Solar, há cerca de 4,6 mil milhões de anos – entulho de colisões de asteroides ou “migalhas” de cometas.

A poeira encontra-se dispersada por todo o Sistema Solar, mas acumula-se em anéis granulosos sobrepostos às órbitas da Terra e Vénus, anéis que podem ser vistos com telescópios na Terra. Ao estudar esta poeira – a sua composição, origem e como se desloca pelo espaço – os cientistas procuram pistas para entender o nascimento dos planetas e a composição de tudo o que vemos no Sistema Solar.

Dois estudos recentes relatam novas descobertas de anéis de poeira no Sistema Solar interior. Um estudo usa dados da NASA para traçar evidências de um anel de poeira, em redor do Sol, na órbita de Mercúrio.

Um segundo estudo da NASA identifica a provável fonte do anel de poeira na órbita de Vénus: um grupo de asteroides nunca antes detetados em co-órbita com o planeta.

“Não é todos os dias que descobrimos algo novo no Sistema Solar interior,” comentou Marc Kuchner, autor do estudo de Vénus e astrofísico do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estad de Maryland. “Está na nossa vizinhança.”

Outro anel em redor do Sol

Guillermo Stenborg e Russell Howard, ambos cientistas solares no Laboratório de Pesquisa Naval em Washington, DC, não se propuseram encontrar um anel de poeira. “Encontrámo-lo por acaso,” disse Stenborg, rindo. Os cientistas resumiram as suas descobertas num artigo publicado na revista The Astrophysical Journal de dia 21 de novembro de 2018.

Os cientistas descrevem evidências de uma fina neblina de poeira cósmica sobre a órbita de Mercúrio, formando um anel com aproximadamente 15 milhões de quilómetros de largura. Mercúrio – com menos de 4880 km de diâmetro – percorre esta vasta trilha de poeira enquanto orbita o Sol.

Ironicamente, os dois cientistas tropeçaram no anel de poeira enquanto procuravam evidências de uma região livre de poeira perto do Sol. A certa distância do Sol, de acordo com uma previsão já com décadas, o poderoso calor da nossa estrela deveria vaporizar a poeira, varrendo completamente toda uma extensão do espaço. A determinação desta fronteira pode dizer aos cientistas mais sobre a composição da própria poeira e fornecer pistas de como os planetas se formaram no Sistema Solar jovem.

Até agora, não foi encontrada nenhuma evidência de espaço livre de poeira, mas isso é em parte porque seria difícil de detetar a partir da Terra. Independentemente de como os cientistas observem a partir da Terra, toda a poeira entre nós e o Sol fica no caminho, enganando-os a pensar que talvez o espaço mais perto do Sol possua mais poeira do que realmente tem.

Stenborg e Howard pensaram que podiam contornar este problema construindo um modelo baseado em imagens do espaço interplanetário obtidas pela missão STEREO (Solar and Terrestrial Relations Observatory).

Em última análise, os dois queriam testar o seu novo modelo em preparação para a Parker Solar Probe da NASA, atualmente numa órbita altamente elíptica em torno do Sol, passando cada vez mais perto do Sol ao longo dos próximos sete anos. Queriam aplicar a sua técnica às imagens que a Parker envia para a Terra e ver como a poeira perto do Sol se comporta.

Os cientistas nunca trabalharam com dados recolhidos neste território inexplorado, tão perto do Sol. Modelos como o de Stenborg e Howard fornecem um contexto crucial para a compreensão das observações da Parker Solar Probe, além de informar em que tipo de ambiente espacial a nave se encontra – limpo ou “sujo”.

As imagens das STEREO mostram dois tipos de luz: luz da atmosfera externa do Sol – chamada coroa – e a luz refletida por toda a poeira que flutua no espaço. A luz solar refletida desta poeira, que orbita lentamente o Sol, é cerca de 100 vezes mais brilhante do que a luz coronal.

“Na verdade, não somos ‘pessoas da poeira’,” comentou Howard, que também é o líder científico das câmaras das STEREO e da Parker Solar Probe que tiram fotos da coroa. “A poeira perto do Sol aparece simplesmente nas nossas observações e, geralmente, descartamo-la.”

Os cientistas solares como Howard – que estudam a atividade solar para fins como previsão da meteorologia espacial iminente, incluindo gigantescas explosões de material solar que o Sol às vezes expele na nossa direção – passam anos a desenvolver técnicas para remover os efeitos desta poeira. Somente depois de removerem a leve contaminação da poeira, é que podem realmente ver o que a coroa está a fazer.

Os dois cientistas construíram o seu modelo como uma ferramenta para os outros se “livrarem” da poeira nas imagens da missão STEREO – e, eventualmente da Parker Solar Probe -, mas a previsão do espaço livre de poeira permanecia no fundo das suas mentes. Se pudessem inventar um modo de separar os dois tipos de luz e isolar o brilho da poeira, podiam descobrir quanta poeira existe realmente lá. Se descobrissem que toda a luz numa imagem vinha apenas da coroa, por exemplo, isso podia indicar que finalmente haviam encontrado uma região do espaço sem poeira.

O anel de poeira de Mercúrio foi um achado fortuito, um subproduto do trabalho de modelagem de Stenborg e Howard. Quando usaram a sua nova técnica nas imagens STEREO, notaram um padrão de brilho aprimorado ao longo da órbita de Mercúrio – mais poeira, isto é -, na luz que planeavam descartar.

“Não foi uma coisa isolada,” disse Howard. “Em redor do Sol, independentemente da posição da nave, podíamos ver o mesmo aumento de 5% no brilho da poeira, ou densidade. Isso disse-nos que havia algo aqui, algo que rodeia todo o Sol.”

Os cientistas nunca consideraram a existência de um anel ao longo da órbita de Mercúrio, talvez razão pela qual não tenha sido detetado até agora, realçou Stenborg.

“As pessoas pensavam que Mercúrio, ao contrário da Terra ou de Vénus, era demasiado pequeno e estava demasiado perto do Sol para capturar um anel de poeira,” disse. “Esperavam que o vento solar e as forças magnéticas do Sol ‘soprassem’ qualquer excesso de poeira na órbita de Mercúrio.”

Com uma descoberta inesperada e uma nova ferramenta sensível, os investigadores ainda estão interessados na zona livre de poeira. À medida que a Parker Solar Probe continua a sua exploração da coroa, o seu modelo pode ajudar outras pessoas a revelar quaisquer outras regiões de poeira à espreita perto do Sol.

 

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