“O futuro do mundo está aqui, em África, em Angola. É o lugar mais emocionante em África (…) somos angolanos, somos americanos”, disse um Biden bem-disposto na visita inédita, considerada histórica.
O Presidente norte-americano foi esta terça-feira recebido pelo homólogo angolano no Palácio Presidencial em Luanda, cumprindo assim a promessa de visitar África antes de deixar a Casa Branca. Joe Biden, recebido com honras militares e uma salva de 21 tiros, entrou com a sua comitiva na Cidade Alta por volta das 12:15, tendo à sua espera João Lourenço.
A visita, inicialmente prevista para outubro, acontece cerca de um ano depois de Biden ter recebido João Lourenço em Washington.
O chefe de Estado norte-americano, que chega a Angola em final de mandato e com incertezas sobre a política externa do sucessor, Donald Trump, no que diz respeito a África, realiza uma visita inédita considerada histórica por ser a primeira de um Presidente dos EUA ao país lusófono.
No Palácio Presidencial falou-se de questões relativas ao comércio, investimento e infraestrutura, segurança e estabilidade regional e aprofundamento da cooperação entre os dois países.
Reabilitação do Museu da Escravatura
O Presidente norte-americano evocou a memória dos milhões de africanos escravizados, entre os quais muitos angolanos, e disse que a relação entre Angola e EUA é uma “lição para o mundo”, depois de cumprir, no Museu Nacional da Escravatura, a sua última etapa da visita em Luanda.
O Governo norte-americano anunciou um fundo de 229.000 dólares para reabilitação do museu e o seu apoio à candidatura do corredor do Kwanza, rota por onde passaram milhões de escravos, a Património Mundial.
Em 1619, um navio que transportava africanos escravizados capturados em Angola e obrigados a marchar através de uma rota conhecida como Corredor do Kwanza desembarcou em Hampton, Virgínia, estimando-se que existam atualmente cerca de 12 milhões de americanos de ascendência angolana.
“Os Estados Unidos apoiam a candidatura de Angola do Corredor do Kwanza à lista de Património Mundial da UNESCO, como forma de olhar para o futuro, de restabelecer laços culturais e de celebrar a riqueza e a beleza de Angola”, refere-se numa nota do Governo norte-americano enviada à Lusa.
Fundado em 1977, o museu “oferece uma programação que promove uma mensagem de harmonia, humanismo e respeito pelos direitos humanos” e os fundos serão utilizados para o restauro das galerias exteriores e interiores do edifício.
Amigos para sempre
Angola é o quarto maior parceiro comercial dos Estados Unidos na África subsaariana, com as trocas comerciais a ascenderem a 1,77 mil milhões de dólares em 2023 (1,68 mil milhões de euros).
Os dois países estabeleceram, em novembro deste ano, um memorando de entendimento relativo à Parceria de Investimento e Comércio EUA-Angola e o departamento de comércio norte-americano está a promover uma missão comercial para os portos e ferrovias da África Subsaariana, em 2025, em Angola e África do Sul, para apresentar às companhias norte-americanas o potencial destes setores nos mercados africanos.
Os EUA promoveram também uma missão ligada ao agronegócio, em fevereiro deste ano, durante o qual foram realizados 140 encontros entre empresários, com os participantes norte-americanos a preverem um aumento de 13,3 milhões nas vendas dos próximos 12 meses.
EUA e Angola assinaram também acordos para facilitar as ligações aéreas e o comércio bilateral, através da iniciativa África Próspera, no âmbito da qual foram realizados negócios no valor de 6,9 mil milhões de dólares desde 2021.
Desde 2022, o Exim Bank, entidade norte-americana de apoio às exportações financiou projetos em Angola no valor de 2,9 mil milhões em projetos de energias renováveis, infraestruturas e telecomunicações.
Segundo a informação do Governo norte-americano à Lusa, este mês, a agência norte-americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla inglesa) vai canalizar mais 650 mil dólares para assistência técnica para apoiar o Ministério das Finanças na gestão de riscos financeiros e de dívida.
Nos últimos quatro anos, o Departamento do Tesouro “tem apoiado os esforços de Angola para reduzir as vulnerabilidades face à divida através de assistência técnica”, o que permitiu ao Governo angolano reperfilar a dívida interna e baixar as taxas de juro.
O documento refere também a cooperação no domínio da defesa, estando prevista a realização de um novo encontro do Comité Misto Anglo-Americano de Cooperação para a Defesa (DEFCOM), em Luanda, em 2025, depois da primeira reunião, em junho de 2024 no Pentágono.
Desde 2020, os Estados Unidos gastaram mais de 17 milhões de dólares (16 milhões de euros) com a formação de militares angolanos, tendo aumentado no ano passado a assistência anual de 500 mil para 600 mil dólares (476 mil para 571 mil euros) e vão fornecer aos fuzileiros navais angolanos oito embarcações, as últimas das quais serão entregues em 2025.
Os EUA têm financiado também programas de ajuda humanitária, desenvolvimento de estratégias de cibersegurança, combate ao branqueamento de capitais e crimes de terrorismo, assistência a refugiados e requerentes de asilo, pesquisa oceanográfica, combate ao HIV/SIDA e malária, etc.
Segundo o Governo norte-americano, a USAID disponibilizou quase 415 milhões de dólares (395 milhões de euros) para tratar e prevenir a doença e formou mais de 12 mil trabalhadores, o que permitiu um decréscimo de 29 por cento nas mortes por malária em 2023 nas províncias abrangidas pela iniciativa PMI em comparação com os níveis de 2020.
O departamento de Estado mostra-se igualmente disponível para continuar a financiar a promoção dos direitos humanos, de acordo com a disponibilidade dos fundos e a fornecer bolsas a estudantes angolanos, bem como outros apoios na área da Educação.
Biden recorda passado “cruel, brutal, desumanizante”
O discurso de Biden centrou-se na ligação histórica entre os dois países, marcada pela escravatura, e nos milhões de dólares que os EUA já investiram e estão dispostos a investir em África e Angola.
Bem disposto, Biden insistiu no empenho norte americano com África, voltando ao passado para recordar a marcha forçada de muitos homens e mulheres nascidos livres em Angola, levados como escravos para a América e batizados numa fé estrangeira contra a sua vontade.
“Cruel, brutal, desumanizante”, disse Biden a propósito da origem da nação, frisando que desde a guerra civil até ao movimento de direitos humanos a história dos EUA foi marcada pela injustiça racial.
O Presidente dos EUA salientou que quis honrar a ligação entre dois povos e homenagear gerações de angolanos e famílias americanas, frisando que é dever das grandes nações enfrentar a história, motivo pelo qual escolheu aquele local para falar.
Sobre a atual relação com Angola, disse que evoluiu de distante para “mais forte do que nunca hoje”, garantindo que foi seu objetivo construir uma parceria forte com o continente da África, trazendo o dinamismo do setor privado americano e a experiência do governo norte-americano para apoiar as aspirações dos líderes e empresários africanos.
O chefe de Estado norte-americano disse ainda que os EUA apoiam o aumento da presença da África no Conselho de Segurança da ONU nas Nações Unidas e anunciou mais de mil milhões de dólares em ajuda humanitário para os africanos deslocados.
“Nós sabemos que os líderes africanos ou cidadãos procuram mais do que ajuda”, prosseguiu, sublinhando que os EUA querem expandir a relação em África, passando de ajuda para investimentos e comércio.
Joe Biden considerou que nenhum lugar em África é atualmente mais emocionante do que Angola, nomeadamente devido ao Corredor do Lobito, cujo financiamento estará em foco numa conferência internacional, quarta-feira, em Benguela, na qual vai participar.
Biden abordou igualmente a parceria entre Angola e os Estados Unidos no que diz respeito ao apoio à paz e à segurança na região, parabenizando João Lourenço pela sua liderança na mediação dos conflitos regionais e por falar contra a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Biden, que está nas últimas semanas da sua presidência, disse aos presentes que poderiam aplaudi-la, ou não, e acrescentou que fazia questão de vir a Angola porque acredita que o futuro passa por este país e por África e a história de Angola e dos Estados Unidos, que estavam de costas viradas durante a guerra fria e agora trabalham ombro a ombro, “é uma lição para o mundo”.
“Apenas temos que lembrar de quem somos: Somos angolanos, somos americanos”, concluiu.
ZAP // Lusa