Encontrada a mais massiva estrela de neutrões (ou menor buraco negro) de sempre

Instituto Max Planck de Radioastronomia; Daniëlle Futselaar

Impressão artística do sistema recentemente descoberto, assumindo que o companheiro massivo do rádio-pulsar (estrela azul brilhante ao fundo) é um buraco negro (em primeiro plano). Os dois objetos estão separados por 8 milhões de quilómetros e orbitam-se um ao outro de 7 em 7 dias.

Quando os astrónomos não conseguem explicar algo diretamente, muitas vezes torna-se verdadeiramente excitante.

Uma equipa internacional liderada por investigadores do Instituto Max Planck de Radioastronomia e com a participação do Instituto Max Planck de Física Gravitacional descobriu agora um misterioso par que nunca tinha sido observado antes: um sistema constituído por uma estrela de neutrões e um objeto que, à primeira vista, nem sequer deveria existir.

Mas existem pistas importantes.

Os investigadores da colaboração internacional TRAPUM (Transients and Pulsars with MeerKAT) descobriram um novo sistema constituído por dois objetos, localizado no enxame globular NGC 1851, na direção da constelação austral de Columba (Pomba).

Os dois objetos têm muito provavelmente uma coisa em comum: ambos devem ter surgido, embora indiretamente, dos remanescentes de estrelas massivas, ou seja, de estrelas de neutrões ou de buracos negros.

As estrelas massivas formam-se frequentemente em sistemas estelares múltiplos. E são precisamente estas estrelas que, no final das suas vidas, morrem numa espetacular explosão de supernova.

Os remanescentes: buracos negros ou estrelas de neutrões que se orbitam uns aos outros, caso o sistema tenha sobrevivido à explosão. Até agora, só foram detetados pares de buracos negros e estrelas de neutrões graças às ondas gravitacionais que emitem durante a sua dança íntima.

Um pulsar marca o ritmo

É conhecida a natureza de pelo menos um dos dois objetos. A equipa utilizou o sensível radiotelescópio MeerKAT, na África do Sul, em combinação com poderosos detetores do Instituto Max Planck de Radioastronomia, e registou pulsos fracos.

Trata-se de uma estrela de neutrões com um forte campo magnético que gira muito rapidamente, emitindo ondas de rádio ao longo de cones de luz opostos que varrem o Universo como um farol cósmico.

O pulsar recentemente descoberto, de nome PSR J0514-4002E, gira em torno do seu próprio eixo mais de 170 vezes por segundo e a sua luz rádio atinge a Terra com a mesma frequência.

A cada rotação, o radiotelescópio regista um pulso, semelhante ao tique-taque de um relógio. O chamado rádio-pulsar tem um ritmo extremamente regular.

Os investigadores utilizaram pequenos desvios ou diferenças no ritmo deste “relógio” para tirar conclusões sobre uma companheira que orbita num centro de gravidade comum, juntamente com o pulsar.

O efeito Doppler faz com que a frequência de rádio do pulsar se altere como resultado do seu movimento orbital, tal como o som da sirene de um carro de bombeiros ao passar pelo observador. Isto também permitiu determinar a órbita do pulsar em torno do objeto misterioso.

“Pensemos nisto como se fosse possível colocar um cronómetro quase perfeito em órbita de uma estrela a quase 40.000 anos-luz de distância e depois poder cronometrar essas órbitas com uma precisão de microssegundos”, diz Ewan Barr, que liderou o estudo juntamente com Arunima Dutta, do Instituto Max Planck de Radioastronomia.

O estudo foi apresentado num artigo publicado a semana passada na revista Science.

“Quando olhámos para as imagens do Hubble, não vimos nada”

A situação é menos clara quando se trata do objeto companheiro que orbita o pulsar. “Quando olhámos para as imagens de NGC 1851 obtidas pelo Hubble, não vimos nada nessa posição”, explica Prajwal Voraganti Padmanabh, do Instituto Max Planck de Física Gravitacional (Instituto Albert Einstein), em Hanôver.

“Por isso, o objeto em órbita com o pulsar não é uma estrela normal, mas um remanescente extremamente denso de uma estrela colapsada”, acrescenta.

Se este objeto fosse também uma estrela, emitiria, tal como o Sol, um vento estelar, que o cone de luz rádio do pulsar teria de atravessar antes do radiotelescópio receber um sinal. Neste caso, o vento estelar influenciaria caracteristicamente as frequências do sinal de rádio.

No entanto, não há sinais de tal efeito nos dados de rádio. Tudo indica que o misterioso objeto é um remanescente extremamente denso de uma estrela colapsada: um buraco negro ou outra estrela de neutrões que não emite ondas de rádio.

A procura por pistas continua: os astrónomos não só deduziram a órbita a partir das medições das diferenças de velocidade do “relógio” do pulsar, como também reduziram a massa do segundo objeto até 2,09-2,71 massas solares.

Isto significa que a companheira pode ser mais massiva do que as estrelas de neutrões mais pesadas conhecidas (cerca de duas massas solares) e, ao mesmo tempo, mais leve do que os buracos negros mais leves conhecidos (cerca de cinco massas solares).

O objeto companheiro compacto que os investigadores detetaram com a ajuda do rádio-pulsar cai, portanto, precisamente na chamada lacuna de massa dos buracos negros.

A razão pela qual ainda não foi encontrado nenhum outro objeto compacto entre duas e cinco massas solares não é totalmente compreendida. “Este objeto, seja o que for, é deveras excitante”, diz Paulo Freire do Instituto Max Planck de Radioastronomia.

“Se for um buraco negro, será o primeiro sistema pulsar-buraco negro conhecido, o que tem sido o ‘Santo Graal’ da astronomia de pulsares durante décadas! Se for uma estrela de neutrões, isto terá implicações fundamentais para a nossa compreensão do estado desconhecido da matéria a estas densidades incríveis!”

Nascidos de estrelas de neutrões?

As estrelas de neutrões, os remanescentes ultradensos das explosões de supernovas, só podem ter até uma determinada massa. Quando ganham demasiada massa, talvez por consumirem outra estrela ou por colidirem com um objeto do mesmo tipo, entram em colapso.

Qual exatamente o objeto resultante, após o colapso, é motivo de muita especulação, tendo sido propostos vários cenários selvagens e maravilhosos de estrelas exóticas.

A opinião predominante, no entanto, é que as estrelas de neutrões colapsam para se tornarem buracos negros, objetos gravitacionalmente tão atrativos que nem a luz lhes consegue escapar.

A teoria, apoiada pela observação, diz-nos que os buracos negros mais leves que podem ser criados por estrelas colapsadas são cerca de 5 vezes mais massivos do que o Sol.

Isto é consideravelmente mais do que as 2,2 massas solares necessárias para o colapso de uma estrela de neutrões, dando origem ao que é conhecido como a lacuna de massa dos buracos negros.

A natureza dos objetos compactos, nesta gama de massas, é desconhecida e o estudo detalhado tem-se revelado até agora um desafio, uma vez que apenas vislumbres fugazes de tais objetos foram captados em observações das ondas gravitacionais produzidas por eventos de fusão no Universo distante.

Thomas Tauris (Universidade de Aalborg/Instituto Max Planck de Radioastronomia

A equipa propõe que o sistema detetado é o resultado de uma história de formação bastante exótica, apenas possível devido ao seu ambiente local particular. O sistema encontra-se no enxame globular NGC 1851, uma densa coleção de estrelas antigas, enxame globular este muito mais compacto do que as estrelas do resto da Galáxia. Aqui, a densidade estelar é tão grande que as estrelas podem interagir umas com as outras, perturbando as órbitas e, nos casos mais extremos, colidindo umas com as outras. É uma dessas colisões, entre duas estrelas de neutrões, que se propõe ter criado o objeto massivo que agora orbita o rádio-pulsar.

Embora a equipa não possa dizer de forma conclusiva se descobriu a estrela de neutrões mais massiva que se conhece, o buraco negro mais leve que se conhece ou até mesmo uma nova e exótica variante estelar, o que é certo é que descobriu um laboratório único para investigar as propriedades da matéria sob as condições mais extremas do Universo.

“Este sistema ainda tem muito para nos fornecer“, diz Arunima Dutta. “Descobrir a verdadeira natureza da companheira será um ponto de viragem na nossa compreensão das estrelas de neutrões, dos buracos negros e de tudo o que mais possa estar à espreita na lacuna de massa dos buracos negros!”.

// CCVAlg

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