Embora seja provavelmente só um efeito não intencional, o bem-estar provocado pela óbvia falta de ruído no trânsito é o primeiro sinal percebido por quem visita Pequim.
O trânsito na China passou por uma revolução literalmente silenciosa na última década. Uma revolução que a China tem tentando exportar para o Ocidente a partir de países como o Brasil.
Pelo menos duas das mais bem-sucedidas empresas chinesas do ramo dos carros elétricos — a BYD e a Great Wall Motors — desembarcaram recentemente no país a anunciar investimentos bilionários. O movimento tem potencial para ser o mais robusto plano de produção automobilística elétrica chinesa fora da China.
Para Pequim, é também a chance de abrir dianteira na disputa com os Estados Unidos por parcerias tecnológicas com o Brasil para a produção de itens essenciais como chips e pela exploração de reservas brasileiras de minerais críticos, como lítio e metais de terras raras.
O que fizeram os chineses com o trânsito?
Mais da metade da frota mundial de carros elétricos — que baterá os 77 milhões de unidades em 2025 — circula na China.
Em 2022, quando a venda global deste tipo de veículo atingiu o recorde de 10 milhões de unidades, a China foi responsável por 60% delas — e já bateu a meta estabelecida pelo próprio governo para 2025. Em comparação, os EUA responderam por apenas 8% das vendas em 2022, segundo os dados da Agência Internacional de Energia.
“Há 15 anos, quando a China se questionou sobre como poderia chegar a ter uma presença privilegiada na produção mundial de automóveis, percebeu que não tinha hipótese de competir nos veículos convencionais à combustão, porque já havia produção de ponta e escala da Europa, dos Estados Unidos, do Japão e da Coreia do Sul. Então, o governo chinês decidiu diferenciar-se na eletrificação, investindo no desenvolvimento de baterias”, diz Cássio Pagliarini, consultor automotivo da Bright e ex-diretor de marketing da Hyundai.
“Hoje, eles têm 10 anos de vantagem sobre as concorrentes de outros países tanto em tecnologia quanto no preço da produção de baterias.”
A ideia não era só aumentar a presença no setor automóvel — o governo chinês percebeu que o investimento poderia ajudar o país a reduzir os índices de poluição das suas cidades e engrossar a sua política climática, além de limitar a dependência da importação de petróleo e ajudar a economia após a crise de 2008.
Em junho deste ano, a China anunciou o plano mais ambicioso de impulsionamento do setor automobilístico verde: serão 72,3 mil milhões de dólares em incentivos fiscais ao longo de quatro anos.
Do outro lado, Pequim aplicou taxas sobre os veículos a combustão. A matrícula de um carro a gasolina no país custa algumas dezenas de milhares de dólares e pode levar anos para ser aprovada. Já os elétricos estão isentos de qualquer burocracia ou custo para circular.
O que viram os chineses no Brasil?
Há pouco mais de uma semana, a BYD, que superou a Tesla como a maior produtora de veículos elétricos do mundo, anunciou que fará um investimento inicial de três mil milhões numa planta industrial em Camaçari, na Bahia, e que “não poupará recursos para assumir a liderança na venda de veículos no país.”
A planta, que pertencia à americana Ford e produzia os modelos Ka e EcoSport, mas cuja operação se encerrara em 2021, foi alvo de uma intensa negociação entre chineses e americanos ao longo dos últimos nove meses.
Na prática, a fábrica tornou-se um símbolo de uma disputa geopolítica maior entre EUA e China por influência. Concretizar o negócio se converteu também em uma prioridade para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pressionou para que o negócio fosse fechado ainda durante a visita do presidente brasileiro ao país, em abril, o que não aconteceu.
A transação, fechada por cerca de 150 milhões de reais, ainda não foi oficializada publicamente pelas partes. No entanto, é considerada tão certa que já motivou o envio de mais de 40 mil currículos de metalúrgicos e funcionários administrativos para a empresa chinesa (a expectativa é de geração de até 5000 empregos diretos).
A BYD enfrentará no Brasil a concorrência de uma velha conhecida sua. A Great Wall Motors (GWM) anunciou há poucos dias a expansão da capacidade produtiva de 20 mil para 100 mil unidades de veículos eletrificados por ano na sua fábrica, em Iracemápolis, no interior paulista.
O interesse das produtoras chinesas no Brasil alia motivos geopolíticos, económicos e tecnológicos. Em 2021, o Brasil já era o maior destino estrangeiro de investimentos chineses no mundo.
“No ano passado, a venda de carros no Brasil foi de 2 milhões de unidades, mas nós já tivemos quase 4 milhões a ser vendidas por ano, em 2012. Onde há um mercado desse tamanho não atendido por empresas chinesas no mundo?”, diz Pagliarini.
“Mas o Brasil também serviria como um hub de exportação para toda a América Latina, com as facilidades do Mercosul e, possivelmente, até mesmo para a Europa, ainda mais se for concluído o acordo Mercosul-União Europeia”, diz Pagliarini.
ZAP // BBC