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Raiva, cortar às escondidas e um mito da Monarquia: a perspectiva de um professor

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Cortesia: Luís Sottomaior

É a perspectiva que o ZAP ainda não tinha: a de um professor. Que também estudou gestão escolar.

Luís Sottomaior é professor de história do segundo ciclo mas, mais do que isso, é sub-director no Agrupamento de Escolas da Abelheira – Viana do Castelo. Foi director e estudou gestão escolar.

Sabe mais do dia-a-dia de uma escola do que os governantes, segundo o próprio. Assim falou com o ZAP, não só verbalizando a sua experiência individual enquanto professor, mas também como alguém que está há muito tempo dentro do universo da administração escolar.

A conversa com o Luís decorreu dois dias depois de nova manifestação nacional de professores em Lisboa, que no sábado passado terá juntado cerca de 150 mil pessoas.

Só neste ano lectivo já houve quatro manifestações ao nível da histórica manifestação em 2008.

Em Viana do Castelo, por exemplo, já decorreram duas neste ano lectivo – e uma delas encheu a Praça da República – e outra em Valença com milhares de professores, contou-nos Luís.

“Raiva é motor”

As manifestações têm-se multiplicado, quer a nível nacional, quer a nível local, porque há uma “carga muito forte de raiva. Os professores são gente ordeira mas mostram raiva. Raiva multipartidária, partidária e interpartidária, o que lhe quiserem chamar. É algo totalmente novo neste tipo de mobilizações”.

“Essa raiva é o motor para isto continuar. As pessoas estão a lutar pela sua sobrevivência e os políticos não estão a perceber isso”, reforçou, antes de deixar o seu próprio exemplo.

Ganho menos entre 450 e 500 euros do que deveria ganhar, se o estatuto da carreira do docente fosse cumprida. E eu nem sou dos que estão piores”.

E antes de deixar outras críticas: “Em relação à Segurança Social, há pessoas que não podem estar doentes porque, se ficarem, vão ser indigentes. Há professores a dormir em rulotes. Outros ficam durante uma semana, ou mais, a dormir no carro – porque é difícil arranjar alojamento”.

Outra situação “absolutamente chocante” é a dos professores que não têm subsídio de desemprego por não terem horários completos, alertou.

“Reformados pobres”

Há um “clima de comunhão” entre os docentes. As opiniões divergem, como sempre, mas sentem que esta é a última oportunidade para se fazer uma viragem dos problemas.

Porque há que pensar mais além: “Se os professores não tiverem solução para os seus problemas de carreira, vão ser reformados pobres. Eu próprio penso nisso.

Falta devolver aos docentes seis anos de serviço e falar sobre isso, “mais do que salário, é falar sobre aposentação”.

O custo da recuperação integral das carreiras dos professores custaria ao Estado 331 milhões de euros por ano, segundo os cálculos do Ministério das Finanças. “O que é uma gorjeta”.

“O Governo tem dinheiro para pagar salários mas não quer repor a justiça salarial em termos de reforma. E esse valor até seria maior, mas houve professores que já se reformaram, por isso vai custar menos”.

Depois, um aviso sobre o que, considera este docente, o Executivo socialista anda a esconder: “O que este Governo está a fazer, em relação aos professores, é o que o Governo de Passos Coelho queria fazer às claras: cortar nas reformas – algo que foi recusado. Agora o Governo está a cortar às escondidas. E não se tem falado sobre isso, na comunicação social”.

“Desta vez é a sério”

O ZAP já tem escutado a frase “desta vez é a sério”, quando se fala nas greves, nas manifestações, nos protestos dos professores.

O que mudou na postura agora? Luís responde: “Quando uma coisa é muito espremida, chega o momento em que não há mais nada a espremer. Salta a mola”.

Ao longo dos últimos 15 anos os problemas acumularam-se. As pessoas estão mais velhas, havia expectativas de melhoria de carreira e a carreira piorou, no acordo com Isabel Alçada (ministra da educação, em 2010) sobre o estatuto da carreira de docente as pessoas não perceberam o que ia acontecer. Agora perceberam e não estão a gostar”.

Em resumo: “O quadro é muito pior, condições de trabalho pioraram, o centralismo do ministério aumentou, a burocracia representa uma carga maior… As pessoas reagem”.

A transição da gestão escolar para as Câmaras Municipais não resulta, avisa o professor. Porque é um mito: “A municipalização é um mito político português, ainda dos tempos da Monarquia Constitucional, que a República agravou. Os municípios não são todos iguais, a estrutura e a capacidade de gestão divergem muito”.

Em França, por exemplo, e num processo que provavelmente vai chegar a Portugal, a municipalização gera desigualdades porque as políticas municipais não são iguais em todo o lado.

“As pessoas acham que o sistema educativo nacional é muito grande… Não é. Há muitas ideias feitas erradas sobre este assunto. É um mito político que visa sobretudo desorçamentar: o Governo quer entregar as despesas às Câmaras Municipais, mas muitas vezes não quer entregar os recursos para fazer essas despesas. Devíamos ter feito outra reflexão antes de entrar neste mito”.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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4 Comments

  1. «…Há muita gente que não tem qualidades nem capacidades de ensino, não devia estar a ensinar, não por razões morais mas por razões técnicas, profissionais, porque não sabem para elas quanto mais para os outros…» – Joaquim Letria

    • O sr. Letria, se não me engano, era jornalista. Se não me engano também, foi comunista ,esquerdista ou por aí militou quando isso era um filtro para se aceder à escrevinhadura de artigos de opinião. Nunca foi professor de coisa alguma e menos ainda , pelos vistos,, aluno atento. Não entendo porque é que se questiona a qualidade dos professores quando é sabido que quem aprende são os alunos embora entenda pelo que vou constatando que ” de ruim cepa não possa sair bom cacho”.

  2. No meu tempo a preocupaçao dos Pais era que os nossos filhos tivessem um ensino de qualidade, o respeito mutuo Professor/Aluno, uma formação capaz de um Amanhã prospero para os nossos filhos, hoje os alunos e os Pais sao armas ao inteiro serviço dos professores porque nao interessa a qualidade da formação dos seus queridos filhos, o importante é passar de Ano e ter boas notas mesmo que seja á biqueirada, e que a sua formaçao aponte para um amanhã negro, um amanha que a unica saída na vida seja a necessidade de arranjar um tacho no Estado como professor.

  3. A verdade é que há uma enorme falta de respeito por todos os pais que trabalham dia após dia para com os seus impostos pagarem os salários destes profissionais. E trabalham 40 horas e não 35 semanais! Vivemos num país com duas realidades, em que uns tudo podem exigir e outros apenas têm de trabalhar e aceitar.

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