Termo é usado para descrever pessoas que acreditam no poder dos pensamentos positivos, uma mentalidade otimista.
Shamina Taylor, advogada de profissão, passou por uma forte mudança espiritual em 2013. Acabada de sair de um divórcio, começou a trabalhar no seu bem-estar com vista à cicatrização de todas as feridas que o processo havia aberto. Foi aí que uma alteração significativa aconteceu na sua vida, e que todos os seus desejos se começaram a realizar.
O primeiro sinal ocorreu quando recebeu uma chamada de uma amiga com quem já não falava há muito tempo logo depois de ter pensado nela, assim como o aparecimento de um conselheiro financeiro à sua porta, mesmo quando precisava de um. “Durante esse processo de cura, pensava em algo que realmente queria e, de repente, essa coisa acabava por chegar“, descreveu.
Perante todos estes “sinais”, Taylor começou a investigar que fenómeno estranho (ainda que bom) era este, tendo chegado ao “manifesting“, “manifestar-se” em português. Não, nada a ver com as manifestações em forma de protesto, como temos visto recentemente nas ruas. Mas idealizar coisas boas, pensamentos positivos, com foco de que estes se tornarão realidade.
“A primeira vez que manifestei foi a quantia de 20 mil dólares. Nessa noite, estava a ler um livro que dizia “basta pousar-me”, e foi o que fiz. No espaço de 24 horas, o dinheiro chegou, conta. Como? Através do seu ex-marido, que nesse dia fez um negócio e, segundo os termos do negócio, teve de partilhar com Taylor parte da quantia.
A partir daí, a advogada começou a sonhar em grande. “Em junho de 2020, disse que iria tornar-me milionária no espaço de um ano e comecei a manifestar isso”, lembra. A verdade é que tal acabaria mesmo por acontecer no espaço temporal de dez meses, graças à inscrição de novos clientes nos cursos que dinamiza online.
Este comportamento, e a sua publicitação em redes sociais como o TikTok, já foi batizado. Os utilizadores chamam-lhe a “síndrome da rapariga sortuda“. De facto, o termo é usado para descrever pessoas que acreditam no poder dos pensamentos positivos, uma mentalidade otimista.
Na visão dos psicólogos, esta postura pode, por vezes, aumentar a probabilidade de resultados positivos. No entanto, para alguns, pode ser uma forma de evitar um confronto de certos problemas que as mulheres encaram com frequência nas suas vidas profissionais e pessoais.
Isto porque, no caso do TikTok, são especialmente as mulheres que dão a conhecer os seus casos de sorte, dando conta das suas afirmações positivas, que remetem para outros conceitos também já conhecidos, como é o caso da lei da atração.
A ideia de que ao proferir-se a frase “tenho tanta sorte” a vida passa a correr de feição já cativou cerca de 300 milhões de utilizadores só no TikTok. Os seguidores do fenómeno são, na maioria, mulheres, que conseguem identificar um padrão de causa-consequência entre as suas afirmações e os acontecimentos das suas vidas, seja no que respeita a pequenas vitórias diárias ou a acontecimentos de mais elevadas escalas de importância.
Ainda assim, Taylor destaca que não se trata apenas de desejar a sorte, há toda uma atitude que deve ser alterada, quase que uma “versão melhorada” de si mesmos. “Tens de agir como se fosses uma pessoa digna de receber aquilo que desejas antes que tal chegue à tua vida.”
Mas haverá alguma componente de verdade no manifesting? À primeira vista, seria fácil dizer que se trata de mais uma moda do TikTok, com toda a carga negativa que tal representa, mas a verdade é que os psicólogos conseguem apontar-lhe aspetos positivos e até científicos.
Por exemplo, Niyc Pidgeon, psicólogo e autor, aponta defende que os “níveis mais elevados de otimismo para o futuro estão ligados à experiência de maiores níveis de bem-estar, maior auto-estima, melhor humor e maior resiliência a eventos stressantes.”
O mesmo especialista acrescenta que emoções positivas, como é o caso da gratidão e do entusiasmo também estão “comprovadamente a ajudar-nos a encontrar soluções mais criativas, a construir relações e a alcançar objetivos mais rapidamente”. Ou seja, é mesmo possível estabelecer uma relação entre as pessoas com uma energia mais positiva com a probabilidade de experienciarem acontecimentos positivos.
Mas desengane-se se pensa que o ato (ou hábito) de manifestar se cinge a escrever pensamentos ou objetivos positivos num papel e esperar que estes se concretizem sem que nada seja feito. “A manifestação é um alinhamento dos seus pensamentos, sentimentos, crenças, intenções e ações que aproveitam o poder do otimismo e nos encorajam e elevar as emoções positivas e concentrarmo-nos no queremos e não no acessório.”
Como tal, a palavra determinante parece ser “ações“. “A manifestação parece ser um processo ativo e não passivo“, descreveu Pidgeo.
Outra questão pertinente diz respeito ao facto de as mulheres serem mais suscetíveis a esta moda que, aparentemente, se baseia na adoção de uma atitude mais positiva em relação à vida e que não acarretaria nada de negativo, à primeira vista.
Contudo, esta não é a visão de Angelica Malin, empresária, coach e autoria. De acordo com a especialista ouvida pela revista Fortune, toda a devoção em torno da “síndrome da rapariga sortuda” e dos cursos para adotarem a filosofia não passam de visões sexistas. “Coloca a culpa e o ónus no que as mulheres estão a fazer, o que está a fazer com que elas não tenham sorte, ou que não sejam capazes de alcançar os seus sonhos.”
Contrariamente, tende a ignorar “todos os fatores práticos, económicos e preconceituosos de género que possam estar a atrasar as mulheres”, defende. Malin considera ainda que a maior adesão das mulheres a esta tendência pode ser atribuída ao facto de sofrerem com mais frequência de síndrome do impostor ou o facto de “internalizarem as falhas como erros delas e que poderia mudar-se caso os pensamentos fossem melhores”.
De forma resumida, as mulheres são menos confiantes do que os homens, graças a séculos de vida e trabalho em sociedades que exigem demasiado delas, sem remunerações à altura, e que valorizam desproporcionalmente as conquistas dos homens. Por outras palavras, a “síndrome do homem sortudo” não está por todo o lado no TikTok porque os homens não precisam de sorte ou sequer confiança para chegar ao topo.