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Este homem não consegue ver números. Mas o seu cérebro sim

(dr) Johns Hopkins University

Ao analisar uma anomalia cerebral extremamente rara, que impede um paciente de ver certos números, uma equipa de cientistas concluiu que uma resposta cerebral a uma palavra ou um rosto, por exemplo, não significa, necessariamente, que a pessoa esteja ciente do que se trata.

No fundo, a investigação, levada a cabo pelos cientistas da universidade norte-americana Johns Hopkins, mostra que os seres humanos podem ter um extenso processamento cerebral sem nenhuma consciência.

Foi a incapacidade desconcertante de ver certos dígitos numéricos que chamou a atenção dos cientistas. Segundo a equipa, a natureza desta condição – que impede o paciente de ver os números de 2 a 9 – sugere que o cérebro humano pode reconhecer conceitos complexos, como números, antes sequer de estar consciente dos mesmos.

O indivíduo, com mais de 60 anos e identificado apenas como RFS, começou por ter fortes dores de cabeça, seguidas de perda de memória e outros sintomas neurológicos, no final de 2010. No ano seguinte, foi diagnosticado com um raro distúrbio cerebral degenerativo chamado síndrome corticobasal.

Esta síndrome tende a afetar pessoas mais velhas e causa sintomas como espasmos musculares, incapacidade de mover os membros e outros problemas sensoriais, que pioram com o tempo.

Além destes sintomas, o paciente relatou um muito incomum: não conseguia ver os números de 2 a 9. Quando RFS olhava para estes dígitos, tudo o que conseguia ver eram linhas pretas rabiscadas. De cada vez que desviava o olhar e voltava a ver o número, as linhas mudavam de forma, tornando impossível identificá-lo por inferência.

Nos oito anos que se seguiram, uma equipa de investigadores da Johns Hopkins dedicou-se a estudar esta estranha condição e as descobertas foram publicadas na segunda-feira, dia 22 de junho, na Proceedings of the National Academies of Science.

Michael McCloskey, cientista cognitivo da Johns Hopkins, explicou que a condição torna-se ainda mais estranha se considerarmos outros símbolos com os quais contactamos diariamente: o número 8, por exemplo, é muito semelhante à letra maiúscula B.

Ainda que RFS tenha relatado alguma distorção ao observar as letras M, N, P, R, S, Z, conseguiu sempre identificá-las. Além disso, o paciente consegue identificar todos os números se estiverem escritos em numeração romana. Segundo o MedicalXpress, os resultados da equipa demonstram que o cérebro processa informações além daquilo que entendemos como consciência.

Existem certas partes do cérebro que acendem quando vemos rostos. Da mesma forma, quando os cientistas analisaram a atividade cerebral de RFS a olhar para números, conseguiram ver essas partes acenderem, mesmo quando o paciente relatou ver apenas “rabiscos”.

Este fenómeno mostra que “um processamento muito complexo e sofisticado – a que chamamos de cognição de alto nível – está claramente a acontecer sem consciência”, explicou David Rothlein, co-autor do artigo científico. No fundo, os investigadores consideram que há, pelo menos, outra etapa (talvez até mais) que ocorre no cérebros para identificar um exemplo de um conceito complexo, como números, e comunicar à nossa superfície consciente.

A equipa descobriu também que RFS não conseguia ver nada colocado perto ou no topo de um dígito. Depois de analisarem uma eletroencefalografia, que registou as ondas cerebrais do paciente enquanto olhava para um número com um rosto embutido, os cientistas chegaram à conclusão que o cérebro detetou a presença de um rosto, mesmo que o paciente não tivesse consciência disso.

“Estes resultados mostram que o cérebro de RFS executa um processamento complexo na ausência de consciência”, disse Rothlein. “O cérebro detetou os rostos nos dígitos sem que o paciente tivesse consciência deles.”

É comum presumir que a consciência visual anda de mãos dadas com este nível de atividade neural, mas os resultados sugerem que o processamento neural adicional é necessário para a consciência – e é esse processamento adicional que é prejudicado no caso de RFS.

O processamento complexo necessário para detetar e identificar rostos, palavras e outros estímulos visuais não é suficiente para consciencialização, se o processamento adicional não ocorrer.

ZAP //

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