Escritos da jornalista e ativista política Maria Lamas, que deviam ter sido publicados trinta anos após a sua morte, encontram-se desaparecidos, revelou o neto da escritora, no dia em que se assinala o 33.º aniversário do seu falecimento.
“Está escrito em carta da minha avó à filha mais nova que as obras devem ser publicadas trinta anos após a sua morte e a filha, em carta do mesmo dia de 2 de fevereiro de 1982, confirma o depósito com ata notarial e testemunhas deste material na Biblioteca Nacional”, disse à agência Lusa José Pereira Bastos, neto de Maria Lamas, que tem dedicado os últimos três anos ao estudo do espólio da escritora.
Passados trinta e três anos da sua morte, faleceu a 6 de dezembro de 1983, o familiar disse acreditar existir obra inédita de Maria Lamas por publicar, em paradeiro incerto.
“Na Biblioteca Nacional, por mais pesquisas que profissionais da casa tenham feito, ninguém encontra nada. Estive três anos a investigar isto na Biblioteca Nacional, na Torre do Tombo, no Museu Ferreira de Castro, a pedir cartas à família que ainda as tenha”, disse Pereira Bastos em entrevista à agência Lusa.
O neto da escritora tem tentado juntar várias pistas que o levem ao paradeiro dos documentos e desenvolveu uma teoria relacionada com uma alegada relação amorosa que Maria Lamas terá tido com o escritor José Maria Ferreira de Castro, no início dos anos de 1930.
“Eu sugiro que existe uma espécie de diário íntimo”, referiu Pereira Bastos, focado na relação entre os dois escritores, garantindo que “há muitas cartas em que é evidente que houve um ‘affair’ muito forte desde que morreu Diana de Lis [primeira mulher de Ferreira de Castro], em 1930. As cartas da minha avó de 30 a 36 desapareceram”.
O neto da escritora acredita que, no espólio desaparecido, estão “cartas de amor entre 30 e 36”, altura em que Ferreira Castro casa com Elena Muriel, uma pintora espanhola a residir no Estoril.
“A minha avó desistiu da relação amorosa com ele por uma razão que é óbvia, ou seja, ela era casada pela igreja com um senhor que era monárquico, de extrema-direita, e que não lhe dava o divórcio que ela desejava”, explicou.
Pereira Bastos acrescentou que a alegada mudança de local dos documentos pode ter sido levada a cabo por Ferreira de Castro, numa tentativa de salvaguardar a família, alargando o período de espera para cinquenta anos, ao invés de trinta.
“Tenho uma tese sobre isso: esse material está no Museu Ferreira de Castro em Sintra e quem o tirou não foi a família de Maria Lamas, mas o próprio Ferreira de Castro”, atirou, acrescentando que “ele criou um intervalo de cinquenta anos para defender a filha emocionalmente, porque a relação deles não era pública”.
Pereira Bastos garante existir no Museu de Ferreira Castro “uma caixa encarnada” com uma declaração do escritor solicitando que a esta seja aberta cinquenta anos após a sua morte.
Ferreira de Castro morreu em 1974, sendo que o 50.º aniversário do seu falecimento será assinalado em 2024, altura em que Pereira Bastos espera “ainda cá estar para abrir essa caixa”.
Maria Antónia Fiadeiro, jornalista e autora de uma biografia de Maria Lamas, confirma a existência de referências a uma obra inédita a ser publicada a título póstumo.
“Se existe esse volume? Eu acho que sim, que existe. Ela faz referência”, disse a jornalista.
Maria Antónia Fiadeiro desconhece se a relação entre Maria Lamas e Ferreira de Castro foi de cariz amoroso, referindo que os escritores “tiveram uma amizade especial”.
“Os termos e as palavras eram amorosos, mas não correspondia à noção que nós temos hoje do amor. Ela era muito amorosa, carinhosa e as cartas estão cheias disso, mas não quer dizer que fossem cartas íntimas ou que isso refletisse alguma relação maior. Eram amizades profundas, ela estava sempre à disposição para ajudar os outros, os amigos e as amigas”, explicou a jornalista.
A biógrafa da escritora levanta outra hipótese, referindo que os textos desaparecidos podem ser o último fascículo de uma revista intitulada “Quatro Estações”.
“Ela sai da ‘Modas [& Bordados’] e fala muito nesse projeto que é o livro da mulher. Eu venho a constatar que o livro da mulher é uma revista que tem dados autobiográficos, que se chama ‘As Quatro Estações’, de que só saem três volumes, o quarto não foi autorizado e onde ela tem relatos autobiográficos que não eram usuais à época”, referiu.
Relativamente à localização dos documentos, Maria Antónia Fiadeiro desconhece mais detalhes, referindo que, “sem escritos, não vamos lá”.
Maria Lamas nasceu a 6 de outubro de 1893, em Torres Novas, e morreu aos 90 anos, em dezembro de 1983, tendo casado duas vezes. Ficou conhecida pelo seu trabalho como escritora, jornalista e tradutora, tal como pela atividade política a favor das causas feministas.
/Lusa