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A peregrinação do Caminho de Santiago é uma excelente oportunidade para desligar do quotidiano e refletir. De facto, sair de casa e passar algum tempo em movimento, sem outras preocupações além de colocar um pé à frente do outro, pode mudar a vida.
A peregrinação tem sido descrita como uma experiência liminar. Como escreve Una Cunningham, professora da Universidade de Estocolmo (Suécia), num artigo no The Conversation, muitas pessoas regressam a casa transformadas.
Desde meados da década de 1990, o número de pessoas que percorrem o Caminho de Santiago disparou. E continua a aumentar, provavelmente aproximando-se dos números da peregrinação na Idade Média, quando se acredita que até 2 milhões de pessoas percorriam o caminho todos os anos.
Os peregrinos medievais preparavam-se para a peregrinação, mas deixando antes em ordem os assuntos financeiros e espirituais: escreviam um testamento e iam-se confessar.
A peregrinação era vista como um ritual de passagem ou uma busca individual, onde o estatuto social e as redes de contactos eram trocados por anonimato e pobreza em constante mobilidade. A chegada significava a salvação; ou uma cura; ou uma revelação mística.
Como escreve a especialista Una Cunningham, a peregrinação contemporânea e pós-secular no Caminho de Santiago é frequentemente realizada em momentos decisivos da vida do peregrino, por motivos psicoexistenciais.
A peregrinação permite-lhe fazer uma pausa na sua vida. A autenticidade e a simplicidade são valorizadas e mostram-lhe que, na verdade, precisa de muito pouco. A mobilidade lenta facilita a introspeção e pode ter efeitos transformadores.
A tecnologia durante a sua peregrinação
Una Cunningham escreve que é possível organizar tudo “direitinho” para uma peregrinação com antecedência, mas corre o risco de ficar hiperinformado, perdendo as oportunidades de descoberta e surpresa que fazem parte da peregrinação.
Nalguns fóruns online sobre o Caminho, a professora encontrou muitas pessoas divididas quanto ao uso da tecnologia durante a peregrinação.
Cunningham teoriza que a interação digital ininterrupta poderá frustrar alguns dos objetivos da viagem. Em vez de se desfrutar plenamente do momento, fica-se socialmente presente num mundo simbólico, noutro lugar, com todas as preocupações desse mundo ao nosso alcance.
Também se perderão oportunidades de confiar na nossa intuição e na comunidade de peregrinos que encontrará no Caminho.
Não precisa de um mapa. O trilho está marcado. “Mesmo sem um telemóvel, podemos planear a caminhada do dia seguinte usando um guia e, se quiser reservar um lugar para dormir, o pessoal do albergue para peregrinos está lá para ajudar”, sugere a professora.
Local de desintoxicação digital
Muitos veem a peregrinação do Caminho como uma oportunidade para uma desintoxicação digital e tentam, pelo menos, regular o tempo que passam com o telefone.
No entanto, mesmo que se mantenha o telemóvel na mochila durante o dia e se concentre o tempo de tecnologia à noite, estar-se-á a interromper a separação da vida em casa, que é necessária para que a peregrinação seja a tal “experiência liminar”.
A experiência liminar nem sempre acontece, devido, pelo menos em parte, à distração digital e à extração incompleta do ambiente quotidiano.
A antropóloga Nancy Frey, sugere que se usem estes tipos de peregrinação para nos desconectarmos.
“Se precisar de levar um telemóvel, mantenha-o desligado na mochila – estritamente para emergências“, recomenda.
ZAP // The Conversation