San Cheng, um designer de jogos que vive em Pequim, decidiu comprar armas de brincar online, mas não sabia que estava prestes a dar início ao maior pesadelo da sua vida.
O norte-americano, de 47 anos, comprou dezenas de armas de brincar na plataforma online Taobao, da Alibaba, como adereços para o seu trabalho enquanto designer de jogos para smartphones.
As réplicas, aparentemente inofensivas, eram tão baratas e fáceis de adquirir que San Cheng nunca pensou que possuí-las seria um crime.
A China acabou por lhe trocar as voltas. Cheng passou três anos na prisão, onde conheceu cerca de duas dezenas de outros homens que também tinham sido detidos numa rusga policial contra a compra de réplicas de armas online.
A história do designer é contada pelo The New York Times, que detalha que a China tem uma das mais duras e exigentes leis sobre armas do mundo, incluindo rígidas definições de “arma ilegal“.
Nos termos de serviço da Taobao, a Alibaba adverte os compradores de que estão a comprar a comerciantes terceiros, o que significa que a empresa não pode garantir que todos os produtos são seguros, de alta qualidade e legais.
Segundo o diário norte-americano, as autoridades chinesas processam principalmente os compradores e, em menor escala, os vendedores. Já as plataformas de compras online raramente têm sido visadas, e, em termos legais, não é claro quanta responsabilidade têm empresas como a Alibaba.
Se, por um lado, o forte controlo de armas se traduz num aumento da segurança, por outro tem havido um debate crescente sobre a definição legal de uma arma de fogo.
Especialistas consultados pelo NYT afirmam que os regulamentos chineses são vagos e difíceis de entender e o resultado acaba por ser a detenção de compradores de brinquedos de ar comprimido e de mola, que, sem querer e inocentemente, são transformados em criminosos.
A lei chinesa de controlo de armas, de 1996, estabelece que para ser legalmente classificada como tal tem de ser capaz de matar alguém ou de pôr uma pessoa inconsciente. Contudo, em 2010, o Ministério da Segurança Pública chinês impôs regras muito mais rigorosas que acabaram por definir brinquedos como armas ilegais.
De acordo com essas regras, uma arma de brincar que dispara um projétil com força suficiente para rasgar uma folha de jornal – muito aquém da força letal – pode ser considerada uma arma.
Zhou Yuzhong, um advogado especializado na defesa de pessoas acusadas de comprar armas ilícitas, disse ao diário que o principal problema é o facto de a definição de arma ser tão técnica que é necessário equipamento especial para averiguar se um produto é ilegal.
O especialista considera que é muito difícil os vendedores e os compradores avaliarem se um determinado objeto “ultrapassa o limiar”.
De acordo com o The New York Times, alguns gabinetes de polícia chineses e associações de consumidores têm oferecido conselhos às pessoas que consideram comprar armas de brincar: “Simplesmente não o faça.”
Ainda assim, em 2018, o mais alto tribunal e ministério público da China tentou atenuar o problema, emitindo orientações que aconselham as autoridades a ter em conta o quão prejudiciais são as armas ilegais suspeitas, assim como as intenções dos compradores.