/

Índia. “Montanha de lixo” que garante sobrevivência de pobres será substituída por estação de tratamento

As “montanhas de lixo” das cidades da Índia em breve serão substituídas por estações de tratamento de detritos. A maior de todas — equivalente a um prédio de 18 andares — garante a sobrevivência de centenas de pessoas.

Todas as manhãs, Farha Shaikh sobe ao topo maior e mais antiga montanha de lixo do país — já existe há mais de um século — para observar a chegada dos caminhões de colheita.

A catadora de lixo, de 19 anos, conta, em declarações à BBC, que se lembra de subir e de escavar Deonar — que é equivalente a um prédio de 18 andares e fica na cidade de Mumbai, na costa oeste indiana — desde que tem memória.

Entre o lixo pegajoso, Farha recolhe garrafas de plástico, vidro e cabos elétricos para revender em mercados de desperdício, que são bastante procurados na cidade. Mas a jovem de 19 anos procura encontrar, principalmente, telemóveis velhos e estragados.

Quando encontra um, usa o pouco dinheiro que tem para o mandar arranjar e, depois, usa-o para ver filmes, jogar, mandar mensagens e ligar para os amigos.

Quando o aparelho pára de funcionar, normalmente dias ou semanas mais tarde, Farha deixa de ter contacto com o resto do mundo e volta a trabalhar dia e noite, para encontrar objetos que consiga trocar por dinheiro — e procurando outro telemóvel que consiga restaurar.

Nas “montanhas” de Deonar — oito num espaço de um quilómetro quadrado —, há mais 16 milhões de toneladas de dejetos. As pilhas podem chegar a 36,5 metros de altura e já começam a surgir favelas entre os amontoados de entulho.

Montanhas de lixo vão transformar-se em estações de tratamento de detritos

O lixo em decomposição liberta gases nocivos como metano, sulfureto de hidrogénio e monóxido de carbono e, de acordo com um estudo realizado em 2011, os incêndios em lixeiras contribuem em 11% para as partículas em suspensão, uma das principais causas da poluição atmosférica em Mumbai.

Uma pesquisa de 2020, levada a cabo por um instituto sediado em Nova Delhi, chegou à conclusão de que existem 3.159 montanhas de lixo na Índia, num total de 800 milhões de toneladas de dejetos.

Em Mumbai, uma ação judicial — que começou há 26 anos — procura fechar a lixeira de Deonar, mas os resíduos continuam a ser despejados no local.

No entanto, de acordo com uma promessa feita no início do mês pelo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, as “montanhas de lixo” serão substituídas por estações de tratamento de detritos.

Modi anunciou o equivalente a quase 12 mil milhões de euros para um programa nacional de limpeza, que inclui a construção de estações de tratamento de resíduos em lixeiras, como a de Deonar.

Mas há especialistas céticos em relação à medida. “Apesar de isso já ter sido feito em cidades mais pequenas, é difícil haver uma solução para montanhas deste tamanho”, disse Siddharth Ghanshyam Singh, que trabalha no Centro para Ciência e Meio Ambiente.

“Isto é um problema, mas já aceitamos que viver em grandes cidades, como Mumbai ou Delhi, significa conviver com as montanhas de lixo“, acrescentou Dharmesh Shah, coordenador da Aliança Global para Alternativas à Incineração — uma coligação de grupos pela redução de resíduos.

O governo indiano publicou, em 2000, várias regras que determinam o tratamento de resíduos pelos municípios. Mas a maioria só cumpre parcialmente as metas e não existem estações de tratamento suficientes.

Apesar de existirem planos para a construção de uma usina que transformaria o lixo de Deonar em energia, neste momento Mumbai, que tem 20 milhões de habitantes, possui apenas uma estação de tratamento.

Modi espera que o novo programa crie empregos ligados à “economia verde”, mas isso preocupa catadores de lixo, como Farha.

Quando são apanhados nas lixeiras, os catadores são espancados, detidos e expulsos. Alguns subornam seguranças ou entram antes das rondas da manhã.

Farha paga cerca de 50 rúpias (o equivalente a 0,57 euros) aos guardas todos os dias para entrar e trabalhar na montanha de lixo de Deonar.

A jovem pensou remexer no lixo que chega de hospitais que tratam pacientes infetados com covid-19, mas a sua família pediu que não o fizesse.

Farha acompanha de perto outros catadores que usam roupas de proteção e procuram plástico para revenda no meio do lixo hospitalar.

“A fome vai matar-nos, se não for a doença”, concluiu.

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.