Vítimas dos campos nazis relatam canibalismo feroz em novos documentos

H. L. Clyn Hughes / Wikimedia

Libertação do Campo de Concentração Nazi de Berger-Belsen, em 17 de Abril de 1945.

“De noite, matava-se ou era-se morto”. Eis uma das angustiantes revelações que constam de documentos só agora tornados públicos, com relatos de sobreviventes dos campos de concentração nazis.

Estes registos foram divulgados pela primeira vez pelo Arquivo Nacional Britânico, no âmbito dos pedidos de ajuda financeira apresentados por vítimas do regime nazi, depois do fim da II Guerra Mundial.

Em 1964, a então República Federal Alemã acertou com o governo britânico o pagamento de um milhão de libras (que valeriam, hoje em dia, cerca de 17 milhões, isto é, mais de 21 milhões de euros) como compensação para as vítimas do regime Nazi e as suas famílias.

Entre 1964 e 1965, cerca de quatro mil pessoas candidataram-se à ajuda desse fundo, entre as quais Harold Le Druillenec, o único sobrevivente britânico do campo de concentração de Bergen-Belsen.

No seu pedido de ajuda financeira, este homem, que passou por três campos nazis, relata as atrocidades que viveu, incluindo relatos de canibalismo na luta pela sobrevivência.

“Sobrevivi a três campos de concentração por muita sorte e pela capacidade de viver fora da carcaça”, escreve este britânico que faleceu em 1985, aos 73 anos de idade, conforme cita o jornal inglês The Independent.

Ele conta que no Campo de Neuengamme, em Hamburgo, viveu ao lado de criminosos “endurecidos” e “trabalhava-se até à morte”, enquanto em Banter Weg, na mesma cidade alemã, “a tortura e os castigos eram a regra dia e noite”. “As formas de levar os presos à morte eram espancamento, afogamento, crucificação, enforcamento“, relata.

O pior de todos os campos por onde passou foi o de Berger-Belsen, onde diz que não havia comida, nem água, nem sequer possibilidade de dormir.

“A lei da selva reinava entre os prisioneiros; de noite, matava-se ou era-se morto; de dia, o canibalismo era feroz”, refere Harold Le Druillenec.

“Todo o meu tempo aqui era passado a levantar corpos mortos para as valas comuns simpaticamente escavadas para nós por trabalhadores exteriores, porque já não tínhamos força para esse tipo de trabalho”, relata, frisando que no campo imperava a ideia de que só havia uma saída dali, “pela chaminé” do crematório.

Depois de ter sido detido em Jersey, nas Ilhas britânicas do Canal, um dia antes do Dia D, em 1944, por não ter cooperado com as forças nazis, Harold Le Druillenec esteve preso nos campos de concentração durante 10 meses, tempo durante o qual perdeu mais de metade do peso corporal.

Após ter sido libertado, em Abril de 1945, passou um ano a recuperar de disenteria, sarna, má-nutrição e septicemia e reclamava uma compensação financeira por causa de uma deficiência, que o limitava em cerca de 50%.

O seu pedido acabou por ser aceite e recebeu 1.835 libras (o equivalente a cerca de 30 mil libras, hoje em dia, cerca de 38 mil euros).

Das cerca de quatro mil pessoas que solicitaram compensações financeiras a este Fundo, apenas um quarto delas obteve apoio, conforme reporta a BBC. Muitos pedidos foram rejeitados porque se comprovou que o seu “aprisionamento não tinha sido ilegal”, enquanto outros não eram cidadãos britânicos, refere o canal.

SV, ZAP

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