Em 365 dias, escritora lê um livro de cada país do mundo

BBC / Darren Russell

Ann Morgan, leitora-escritora que leu 196 livros em 365 dias

Ann Morgan, leitora-escritora que leu 196 livros em 365 dias

A escritora britânica Ann Morgan impôs a si mesma o desafio de, ao longo de um ano, ler um livro escrito em cada país do mundo. Ao todo foram 196 livros – de 195 países reconhecidos pela ONU e um de Taiwan.

As impressões foram descritas num livro a ser lançado em fevereiro de 2015, Reading the World: Confessions of a Literary Explorer (“Lendo o Mundo: Confissões de uma Exploradora Literária”), e a lista completa das obras lidas pode ser encontrada no seu blog. A “visita” a Portugal passou por “O Mandarim e outras histórias”, de Eça de Queirós.

Aos leitores da BBC, Ann Morgan descreve como foi essa curiosa experiência de ler um livro de cada país do globo:

Ler o mundo em 196 livros

Sempre pensei que fosse uma pessoa razoavelmente cosmopolita, mas a minha biblioteca pessoal conta uma história diferente. Com a exceção de alguns romances da Índia e um ou outro livro da Austrália ou África do Sul, a minha coleção literária só tinha autores britânicos e americanos. Para piorar, quase nunca tinha lido livros traduzidos. O meu universo estava confinado a autores que escrevem em inglês.

Eu queria descobrir o que estava a perder. Então, no início de 2012, propus a mim mesma o desafio de ler um livro de cada país do mundo – em um ano, foram 195 países reconhecidos pela ONU e Taiwan, que já não é mais reconhecido como tal.

Já imaginava que não iria encontrar livros de quase 200 países na livraria perto da minha casa, então criei o blog A Year of Reading the World, a pedir recomendações de leitores de todas as partes do mundo.

A resposta foi incrível. Em pouco tempo, recebi uma avalanche de recomendações. Alguns leitores chegaram a mandar-me livros dos seus países pelo correio, outros passaram horas a pesquisar autores para mim.

Alguns escritores chegaram mesmo a enviar-me manuscritos traduzidos para o inglês e que ainda não tinham sido publicados, como Ak Welsapar, do Turquemenistão, e Juan David Morgan, do Panamá.

Mas mesmo com toda essa equipa de apoio, a tarefa foi árdua. Conseguir obras estrangeiras em inglês ainda é um desafio – de todos os livros publicados no Reino Unido, apenas 4,5% são traduções.

Países lusófonos

A dificuldade maior foi conseguir obras de países africanos francófonos ou lusófonos. Há poucas obras em inglês de lugares como Comores, Madagáscar, Guiné Bissau e Moçambique. Para vários desses países, precisei recorrer a manuscritos que não foram publicados.

Em São Tomé e Príncipe, eu teria perdido a minha batalha se não fosse pelo esforço de leitores europeus e americanos que traduziram contos de Olinda Beja – só para que eu tivesse algo para ler do país.

Há países onde nem sequer existe tradição escrita. Para conseguir uma boa história das Ilhas Marshall, por exemplo, é melhor pedir permissão ao “iroji” (um líder tribal local) para ouvir algum caso narrado por um dos contadores de histórias, já que a literatura local não tem a mesma riqueza da tradição oral.

No Níger, as melhores lendas são contadas pelos “griots”, poetas populares treinados desde os sete anos de idade para misturar música e ficção. Há poucos registos escritos das suas performances incríveis – e mesmo essa experiência é pobre comparada com a apresentação ao vivo.

Como se não bastassem esses obstáculos, há sempre a política para complicar tudo. A criação de um novo país, o Sudão do Sul, em 9 de julho de 2011, também colocou um desafio. O país possui vários problemas de infraestruturas, com deficiências em estradas, hospitais e escolas. Com tantas necessidades mais urgentes, quem teria escrito um livro em apenas seis meses?

Se não fosse por um contacto local, que me apresentou à escritora Julia Duany, a minha única solução seria apanhar um avião até Juba para ouvir um contador de história. Mas Julia dispôs-se a escrever uma história especialmente para mim.

Pesquisar autores e livros tomou-me tanto tempo quanto ler e escrever o blog. O processo foi muito cansativo, pois tive de conciliá-lo com meu próprio trabalho de escritora. Passei muitas madrugadas em claro para manter de pé a minha meta de ler um livro a cada 1,87 dias.

Dentro da cabeça

Mas o esforço valeu a pena. Muito mais do que “viajar sem sair do lugar”, senti-me como se estivesse a habitar a cabeça de várias pessoas pelo mundo. Na “companhia” do escritor Kunzang Choden, do Butão, eu não apenas “visitei” os templos exóticos locais – fi-lo como fazem os budistas nativos.

O mesmo aconteceu com as montanhas de Altai, na Mongólia, que tive a oportunidade de conhecer pela imaginação de Galsan Tschinag. Em Mianmar, um festival religioso foi-me narrado por um médium transgênero – criação de Nu Nu Yi.

Essa experiência é mais poderosa que mil notícias de jornais e revistas, e fez-me perceber melhor como vivem as pessoas longe de mim.

E isto, por sua vez, mudou a minha forma de pensar. Através das hostórias partilhadas comigo por estranhos de todo o mundo, percebi que não estou isolada, fizeram-me sentir mais parte do nosso planeta.

Um por um, os países cujos nomes estavam na na lista que começou como um exercício intelectual no início do ano tornaram-se lugares vivos, vibrantes, preenchidos com gargalhadas, amor e raiva, esperança e medo.

Lugares que antes pareciam-me exóticos e remotos tornaram-se próximos e familiares – lugares com os quais eu podia identificar-me.

No seu melhor, a ficção torna o mundo real.

ZAP / BBC

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