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Suavemente, Francisco vai revolucionando a Igreja

Mazur / Catholic News

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Até 13 de março do ano passado, o então cardeal Jorge Mario Bergoglio imaginava que passaria o Natal seguinte já aposentado no bairro de Flores, em Buenos Aires, onde nasceu. Mas hoje, aos 77 anos, ele leva consigo as esperanças e receios de mais de mil milhões de católicos.

O que explica o repentino e renovado interesse actual pelo catolicismo? A que anseios do povo o papa Francisco estará a dar atenção?

Há nove meses, a Igreja Católica era assolada por acusações de irregularidades na sua burocracia e no seu banco, e sua reputação estava manchada por escândalos sexuais.

“A narrativa dominante a respeito da Igreja hoje é ‘papa pop star conquista o mundo‘”, diz John Allen, do jornal americano National Catholic Reporter. “Se isso não for uma revolução, ao menos em termos da percepção, então não sei o que [revolução] significa.”

Compaixão

Essa “revolução” tem acontecido por meio de gestos, como a decisão de Francisco de incluir uma mulher muçulmana no grupo de jovens infractores cujos pés lavou na última Páscoa. Ou o abraço instintivo que deu a um homem com o rosto desfigurado por uma doença. Ou a sua recusa em viver no apartamento habitual do papa ou vestir as roupas sumptuosas que os seus antecessores, por tradição, vestiram.

Tudo isso chama a atenção do público.

A Irmã Teresa, freira da congregação Filhas de Sant’Anna, estava a dar uma aula a crianças de 11 anos na cidade italiana de Casal di Principe, quando o seu telemóvel tocou.

“Vi um número longo”, conta ela, “e uma voz disse, ‘Aqui é o papa Francisco’. Eu respondi, ‘Está a brincar, não acredito’. Ele riu-se e disse, ‘Sou eu sim, o padre Bergoglio'”.

O papa tinha telefonado para abençoar a campanha das freiras contra o despejo de lixo tóxico em locais inapropriados. Francisco tinha ficado comovido ao ver fotografias que as irmãs lhe tinham enviado, cada imagem a mostrar uma mãe a segurar a foto de um bebé morto.

Após a conversa, a Irmã Teresa sentiu-se “serena, porque o papa está a pensar em nós, ama-nos e não nos deixará sozinhas”.

Miguel Ángel Romero / P.R.Equador

Papa Francisco no Equador

Papa Francisco no Equador

Burocracia do Vaticano

Nem todos os católicos, no entanto, aprovam a nova abordagem do papa.

Para alguns tradicionalistas, a pouca disposição de Francisco para se aprofundar nas crenças da Igreja em questões como o aborto, uso de contraceptivos e homossexualidade deixa muito espaço para valores laicos.

Segundo Kishore Jayabalan, director da organização cristã de investigação Acton Institute, há também os que se preocupam com o estilo humilde do papa: “Como regra geral, o papa [costuma] ter a pompa de uma monarquia”.

Mas o “efeito Francisco” não se limita a mudanças em estilo e foco.

O papa recrutou oito cardeais para o ajudar a reformar a burocracia do Vaticano e tomou medidas para resolver irregularidades na administração do Banco do Vaticano.

Agora, Francisco pode estar a pensar num passo ainda maior.

“Acho que a mudança mais profunda que o papa pretende realizar é uma reforma no sínodo dos bispos“, disse Robert Mickens, da publicação católica The Tablet.

“O [sínodo dos bispos] foi criado na década de 1960 e tem sido usado para dar aval a tudo o que o papa queira fazer”, explicou.

“Este papa quer dar [ao sínodo dos bispos] poder real e usá-lo como ferramenta para o ajudar a governar a Igreja e, eventualmente, dar [aos bispos] a autoridade para tomar as suas próprias decisões. Seria uma mudança revolucionária.”

O papa também sugeriu que o poder e a autoridade concentrados no papado durante séculos possa ser devolvido, até certo ponto, às conferências de bispos de todo mundo.

“Agora, temos um papa a dizer que ‘podemos confiar em bispos locais para tomar decisões'”, diz Allen, “e a longo prazo, a mudança de poder do centro para a periferia, se Francisco conseguir alcançar o seu objectivo, é de importância histórica para a vida católica.”

Mas pode haver perigos quando se soltam as rédeas em uma Igreja com mais de mil milhões de fiéis, distribuídos por sociedades tão diversas do mundo.

O frei Joseph Kramer, da igreja Santíssima Trindade dos Peregrinos em Roma, defende que o papado é necessário por razões práticas, para unificar o clero com propensão a discordar.

Mazur / Catholic News

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“Existe o risco de cismas, divisões e lutas”, disse. “Infelizmente, isso acontece nas igrejas do Leste [Ortodoxas] e Protestantes, onde não há autoridades centrais.”

Pode haver outras reformas – talvez o fim do veto a que católicos divorciados e casados novamente recebam a comunhão; talvez um papel mais amplo para mulheres na Igreja.

Mas não haverá mudanças nos ensinamentos conservadores em temas fundamentais como homossexualidade, eutanásia e aborto.

Narrativa

Será, então, que Francisco conseguirá reconstruir a fé cristã simplesmente mudando a “narrativa” sobre o catolicismo, sem uma reforma real nos ensinamentos?

John Allen vê o papado de Francisco como uma espécie de experiência.

“Existe uma tendência na Igreja Católica progressista que diz que não precisamos de mudar as doutrinas para recapturar o interesse do público”, diz.

“É preciso que as pessoas vejam o compromisso real com o florescimento humano que está no âmago dessas doutrinas. O que veremos sob a liderança de Francisco é que ele vai acrescentar uma encantadora face humana à mensagem clássica.”

A mudança de tom pelo novo papa, ao que parece, é dirigida a uma sociedade que se seculariza. Uma sociedade que, ao menos na visão de um observador, é “pós-cristã”.

“A época cristã foi-se, acabou, e o papa Francisco sabe disso”, diz Mickens, do The Tablet. “Um líder jesuíta disse que a Igreja estava a dar respostas a perguntas que o povo não está a fazer. O papa Francisco está a tentar dar respostas para as questões que as pessoas estão a colocar. Por que é que a minha avó está num lar para idosos? Por que não há ninguém para tomar conta dela? Por que o meu filho não consegue arranjar emprego?”

Francisco tem a atenção do mundo – por mais inconstante e passageira que ela seja. E também uma oportunidade rara de fazer mudanças significativas.

ZAP / BBC

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