Turistas em Praga fazem “tour da corrupção” aos edifícios polémicos

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Quem visitar Praga, na República Checa, pode participar numa visita guiada fora do comum. Em vez de museus, igrejas ou outras atrações turísticas famosas, os visitantes poderão fazer um passeio oferecido por uma agência de “turismo de corrupção”.

“A corrupção não é apenas o dinheiro gasto da maneira errada. Corrupção é a quebra de confiança e a teia de poder que se constrói com este dinheiro”, diz Petr Sourek, fundador do que diz ser a primeira agência de turismo de corrupção do mundo, a Corrupt Tour.

Por poucas dezenas de euros, Petr e seus colegas lideram uma excursão pelos “marcos de corrupção e nepotismo” que marcaram a transformação da República Checa de uma economia socialista planificada para um mercado capitalista.

“Vejo isso como uma ameaça à nossa liberdade, porque estas estruturas mafiosas são fortes o suficiente para intimidar os cidadãos”, disse à BBC.

Os passeios oferecem aos visitantes uma visão do que aconteceu com as enormes somas de dinheiro dos contribuintes que desapareceram nos bolsos de funcionários corruptos e empresários misteriosos.

A visita passa por mansões monumentais, obras públicas com contas duvidosas e corredores de edifícios do governo.

Numa das paragens, por exemplo, observamos de fora os escritórios de Roman Janoušek, um empresário bilionário cuja influência em Praga já foi tão grande que chegou a ser chamado de “segundo presidente da Câmara” da capital e apelidado de Voldemort (o vilão dos livros do Harry Potter).

A alcunha vem das acusações de fraude em licitações públicas e de ter supervisionado a construção de vários projetos fraudulentos – acusações que Janoušek nega.

No final, os visitantes recebem um souvenir divertido: um diploma do seu Mestrado em Administração de Corrupção.

Corrupção de alto nível

O ranking de corrupção compilado pela organização Transparência Internacional em 2013 coloca a República Checa no 57º lugar em uma lista de 177 países.

O Índice de Perceção de Corrupção, divulgado anualmente, mede a percepção da corrupção do setor público pelos cidadãos de um país.

Apesar de ter caído em relação ao ranking de 2012, o país ainda fica à frente da vizinha Eslováquia (61º), mas é considerada menos corrupto do que a Itália (69º) , Bulgária (77º) e Grécia (80º). Portugal, por exemplo, estará bastante melhor, ocupando o 33º lugar no ranking da TI.

Mas qual será o verdadeiro tamanho da corrupção na República Checa? Grande o suficiente para derrubar governos.

Em junho do ano passado, o então primeiro-ministro Petr Nečas abandonou o poder acusado de envolvimento num escândalo de corrupção, sexo, espionagem e suborno.

A polícia invadiu a sede do governo e escritórios de vários empresários, incluindo o de Janoušek, para recolher provas.

Foi um fim irónico e amargo para um governo que tinha feito mais do que qualquer outro para aliviar o trabalho dos investigadores e procuradores encarregados de reprimir a corrupção de alto nível.

Ventos de mudança

BBC

Adriana Krnacova, ministra do Interior da República Checa

Adriana Krnacova, ministra do Interior da República Checa

É o mesmo problema que enfrentam muitos países que emergiram de um passado comunista”, diz Adriana Krnacova, que dirigiu a filial checa da Transparência Internacional entre 2001 e 2007 e hoje é ministra do Interior.

“Somos um país muito jovem. Existimos há apenas 20 anos e seria muito ingénuo pensar que, depois de duas décadas, tudo mudaria”, diz Krnacova.

“A maioria das pessoas talentosas da República Checa e da Eslováquia deixaram o país na década de 1990. E, desde então, a política foi tomada por pessoas que não são muito amigas da transparência”, opina.

Mas há histórias que inspiram esperança.

Em 2010, o advogado cego Ondrej Zavodsky foi demitido de seu emprego como chefe do serviço jurídico do Ministério do Interior.

BBC

Ondrej Zavodsky, vice-ministro das Finanças da República  Checa

Ondrej Zavodsky, vice-ministro das Finanças da República Checa

Zavodsky alega que sua demissão foi em retaliação por ter alertado sobre vários contratos suspeitos que tinha sido encarregado de examinar.

Após a sua saída, Zavodsky enviou cópias dos documentos para o ministro do Interior e para a polícia e o resultado foi uma séria de ameaças contra si e a sua família.

O caso ganhou grande repercussão na comunicação social e a pressão da opinão pública levou à abertura de uma auditoria interna que revelou várias irregularidades no setor público do país.

Hoje, Ondrej Zavodsky é vice-ministro das Finanças. “As coisas avançaram, claro”, disse à BBC enquanto o seu cão guia observa um pavão que passeia pelo esplendoroso Jardim Waldstein, em Praga.

“Hoje sou vice-ministro das Finanças para a propriedade do Estado e da lotaria nacional, ou seja, um cargo que traz consigo um dos maiores riscos de corrupção na administração do Estado. E ganhei do ministro total liberdade para garantir a transparência dos vários fluxos de dinheiro.”

É, certamente, um sinal de que as coisas começam a mudar.

ZAP / BBC

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