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Cem anos depois da I Guerra Mundial, ainda há portugueses à procura de familiares

State Library of South Australia / Flickr

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Quase cem anos após o início da I Guerra Mundial, “ainda há muita gente” que se desloca ao maior cemitério militar português, no norte de França, para procurar familiares mortos num conflito que provocou um número de baixas histórico.

“Há muita gente em Portugal que não sabe que existe aqui um cemitério português, há muitas pessoas que aparecem aqui e que souberam disto há pouco tempo”, conta à agência Lusa João Marques, imigrante em França há mais de 40 anos e presidente da União Franco-Portuguesa de Richebourg desde 1990, organização que ajuda a preparar as cerimónias anuais evocativas da histórica batalha de La Lys e que faz a articulação com as autoridades francesas.

Quando os familiares aparecem à procura, a organização tenta ajudar: “nós vimos cá com o livro e às vezes conseguimos encontrar, mas outras vezes não”.

Nesta região de França, onde Portugal, que só entrou no conflito [1914-1918] em março de 1916, sofreu uma das maiores derrotas militares de sempre, com cerca de sete mil baixas, entre mortos, feridos, desaparecidos ou prisioneiros, há outro monumento de homenagem aos portugueses, em La Couture, construído pelo escultor António Teixeira Lopes.

A 09 de abril de 1918, enquanto faziam um render de tropas, os militares portugueses, comandados pelas forças britânicas, foram surpreendidos por um ataque alemão que acabaria por conquistar La Lys e depois as terras altas da Flandres, tomando Ypres e o monte Kemmel, já na Bélgica.

“A nossa linha da frente era exatamente aqui, passava aqui por estes terrenos, os alemães estavam aqui atrás desta floresta, de maneira que os nossos estavam aqui na linha da frente, o terreno aqui é muito húmido, você faz de um metro e tem logo água, os nossos estavam nas trincheiras praticamente na água e sem comer, oito dias praticamente sem ter o que comer, sem grandes condições”, relata João Marques.

Enquanto folheia o velho caderno com a relação dos militares sepultados nos cemitérios franceses de Richebourg e Boulogne Sur Mer e também de Antuérpia, na Bélgica, feito em 1937 pelo então Ministério da Guerra, João Marques lamenta que a participação de Portugal na I Guerra Mundial seja “praticamente desconhecida” pelos portugueses, porque “nas escolas não foi dita às crianças”.

“Há algumas [pessoas] que vêm de Portugal à procura, mas são mais as pessoas que vivem em França e que vêm aqui à capela [de Nossa Senhora de Fátima, construída em frente ao cemitério em 1976] todos os anos e fazem aqui o 13 de Maio, vem muita gente de todas as regiões de França”, afirma.

“Ainda na semana passada tive a visita de um casal que veio do Luxemburgo à procura do avô que morreu aqui, mas como não tinham o nome completo não o conseguimos encontrar”, diz.

No entanto, o imigrante português relata outro caso em que foi possível ajudar uma família portuguesa residente na Bélgica a encontrar um familiar morto em França: “Nós temos o livro que foi feito, temos os talhões, o nome da fila e o nome da cova, quando a pessoa tem o nome completo, se ele está aqui, conseguimos encontrar, ainda há pouco tempo encontrámos um soldado, a até tenho ali a fotografia dentro do museu, porque depois mandaram-ma e eu mandei fazer um quadrozinho”.

1.831 soldados portugueses

No maior cemitério militar português em toda a Europa, junto à estrada nacional que chega à comuna de Richebourg, na região de Nord-Pas-de-Calais, estão enterrados 1.831 soldados portugueses, transferidos pela Comissão Portuguesa de Sepulturas de Guerra entre 1924 e 1938 de vários cemitérios em França, na Bélgica e na Alemanha.

O cemitério, sob jurisdição do Estado português e impecavelmente preservado, tem, além da bandeira de Portugal, várias referências simbólicas, como o escudo nacional, a cruz latina ou um altar de pedra onde estão inscritas as províncias portuguesas – Algarve, Alentejo, Beira Baixa, Beira Alta, Minho, Douro e Trás-os-Montes.

Entre as centenas de iniciativas que irão ser promovidas pelo Estado francês até 2018, no âmbito do centenário da I Guerra Mundial, o departamento de turismo da região de Béthune-Bruay, onde estão os principais monumentos portugueses, irá inaugurar uma ciclovia que passará pelo cemitério de Richebourg e pelo monumento de La Couture e um sistema de códigos de barras compatível com telemóveis e ‘tablets’ que terá informação histórica em português.

No âmbito da exposição ‘Ligne de Front’, que envolve dez câmaras municipais da região, em Nouve-Chapelle, a poucos quilómetros do cemitério, será projetada até 28 de setembro uma curta-metragem filmada em Portugal, da italiana Rossella Piccinno, sobre o Cristo nas Trincheiras, uma representação de Jesus Cristo levada para a guerra pelos soldados portugueses e que hoje está no Mosteiro da Batalha.

Em setembro será ainda inaugurada na Universidade de Toulouse uma exposição sobre Portugal na I Guerra Mundial, que se prolongará até 31 de dezembro deste ano.

/Lusa

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